MP: “Há fortes indícios da existência de cartel dos combustíveis no RN”

Sara Vasconcelos - Repórter

O reajuste nos preços dos combustíveis, que elevou o preço médio do litro da gasolina de R$ 2,75 para R$ 2,99, motivou a investigações por parte do Ministério Público Estadual. Em entrevista, o promotor de Justiça de Defesa do Consumidor José Augusto Peres falou dos procedimentos para apurar a possibilidade de formação de cartel no setor e de aumento abusivo de preços, as dificuldades encontradas para provar que essa é uma realidade na cidade. “Ter 80% dos postos em Natal praticando o mesmo preço com uma margem de lucro elevado é um forte indício da existência de um cartel. Mas como o mercado de varejo de combustível é bem peculiar, esses dois dados somente não provam a formação de cartel, precisamos avançar mais”. O promotor comentou ainda o valor agregado pela manifestação popular, por meio de protestos nas ruas e do movimento difundido nas redes #combustíveismaisbaratosjá. Confira a entrevista com o promotor José Augusto Peres.

O Ministério Público suspeita de formação de cartel ou de preço abusivo no postos de combustível da cidade?
Há indícios de formação de cartel. Esses indícios são antigos, na verdade. Hoje tem em andamento um inquérito civil para averiguar alguns indícios de cartelização do setor de combustíveis, como 80% dos postos em Natal praticarem o mesmo preço, com uma margem de lucro elevado. São indícios fortes da existência de um cartel. Mas como o mercado de varejo de combustível é bem peculiar, esses dois dados somente não provam a formação de cartel, por isso precisamos avançar mais para saber se este margem de lucro bruto representa também uma margem de lucro líquido elevado. Se existe no mercado determinados agentes mercadológicos que elevam para cima, de modo artificial, ou se é  natural ao mercado de Natal. Isso demanda uma investigação mais aprofundada.

O que configura a formação de cartel?
Há três formas de se cartelizar um mercado: uma é esse ajuste de preço; a segunda é a separação de mercado, ou seja, não entrar no bairro ou cidade que “pertence” a outro; e a terceira é a combinação de não investimento em melhorias ou aperfeiçoamento do produto/serviço, para manter o preço sem avanços tecnologicamente ou melhoria na prestação de serviço. Embora a primeira, a união de preço, seja a mais comum.

Há bastante tempo o Ministério Público vem investigando a possibilidade de formação de cartel, sem chegar a uma conclusão. Por que é tão difícil provar que existe?
Porque os requisitos que a lei estabelece são muitos. Tem a unificação de preços; o lucro elevado; a relevância daqueles agentes de mercado objeto do cartel; a identificação dos que participam do cartel. Tudo isso exigem uma investigação muito aprofundada, que demanda tempo, dinheiro e pessoas. Só temos o tempo. 

A quebra de sigilo telefônico de donos de postos chegou a ser pedido? 
Sim. Foi pedido em 2002 e negado pela justiça. Mas eu não era promotor na época, não sei quais foram os argumentos do juiz para não conceder. Com isso (a recusa), agora só estamos dispostos a levar adiante uma investigação criminal se tiver, nesse inquérito civil, respostas mais robustas quanto aos indícios. Nesse, alguns indícios já se configuram.

O Procon Estadual fez uma média de preço (R$ 2,75) e está enquadrando os postos que praticam preço acima desse valor.
Isso já sai da investigação do cartel. O Procon está trabalhando é o aumento abusivo de preço. O Ministério Público também começou uma linha de investigação nesse sentido o Código de Defesa do Consumidor estabelece no artigo 39, inciso 10, que não pode haver aumentos sem justa causa. Eu instaurei um procedimento para investigar se houve justa causa para esses dois aumentos corrido desde o início do ano na gasolina. O aumento sem justa causa também é crime, passível de dois a cinco aos de detenção ou multa. A disposição do Procon Estadual em autuar administrativamente essas empresas tem amparo legal para isso.

O que seria justa causa para o reajuste?
No caso da gasolina, o aumento da carga tributária. Se o ICMS passou de 25% para 27% é justa causa para aumentar R$ 0,05 no litro. Se houve aumento no álcool anidro, que é adicionado na gasolina, há justa causa para aumentar o preço final no valor que aumentou o álcool por litro. O que precisamos investigar e descobrir é se o aumento ou os aumentos que ocorreram no preço final da bomba, são reflexo apenas do aumento da carga tributária e do álcool anidro. Porque o que ultrapassa isso aí, não tem justa causa.

O Ministério Público teve acesso as planilhas de custos dos postos?
Ainda não. Sequer foi pedido. E eu não sei se serão, dependerá da análise do perito. Porque não tem justificativa pedir se não tivermos condições de analisar, de refutar essas informações. Eu vou ser guiado pelo perito.

O Ministério Público solicitou uma perícia contábil?
Ainda não. Nós começamos a conversar com um perito para situá-lo quanto a questão e, em análise prévia, dizer quais os documentos eu preciso pedir a quem for, para à perícia. Estamos em fase preliminar. Essas informações devem ser dadas na próxima segunda-feira (amanhã) e daí irei requisitar os documentos para, com os dados em mãos, iniciarmos a perícia.
Se as investigações sobre a formação de cartel do combustível no Estado, vem desde 2002, por que só agora solicitar uma perícia como essa?
Porque a gente vai aprendendo, com o tempo, quais são a dificuldades encontradas nesse tipo de investigação.

No Estado da Paraíba, a Polícia Federal e o Ministério Público desmantelaram o cartel e prenderam 16 donos de postos. Qual a dificuldade de fazer o mesmo aqui?
É não ter a fonte humana. Lá (na Paraíba) um dono de posto disse que era cartel, identificou quem participava, forneceu os números dos telefones e disse que grampeassem o dele e de fulano, beltrano e sicrano para obter as provas. Sem a fonte humana, a investigação é muito mais difícil.

Os donos de postos têm o direito de reajustar da forma que quiser o preço do combustível, uma vez que o Sindipostos alega não ter qualquer ingerência no reajuste? Se é direito, como se dá a formação do cartel?
Numa economia de livre mercado e de concorrência saudável, de fato, só quem forma o preço é o agente econômico. Sindicato não pode ditar preço. Cada dono de posto, com base nas despesas, receitas e custos operacionais, é quem estabelece o preço final. Claro, que se tratando desse tipo de mercado, o de gasolina, há uma tendência até certo ponto natural, dos agentes de mesma área geográfica (bairros) praticarem preços semelhantes. Por isso, só preços iguais não é prova de cartel. O que não é compreensível e desperta a nossa curiosidade é que 80% da cidade esteja com o mesmo preço.

Nas redes sociais Orkut, facebook, twitter, se iniciou uma onda de protestos para boicotar o aumento. O que esperar na dessa manifestação popular?
O movimento surgiu da insatisfação do consumidor com o aumento nos postos. Quem deu causa ao movimento foi a elevação dos preços. As redes facilitaram a união entre essas vítimas do preço alto. Essa mobilização  é extremamente justa e legítima. O boicote é uma arma do consumidor. Deixar de adquirir um produto ou contratar um serviço por estar insatisfeito seja por preço, qualidade, frequência é direito. O movimento popular no #combustívelmaisbaratojá legitima, não que o Ministério Público precisasse, mas legitima ação do Estado, motiva o promotor e é sinal que estamos no caminho certo. 

Os donos de postos já cogitam reduzir os preços. Caso isso ocorra, a promotoria manterá a investigação?
Sem dúvida. São duas linhas de investigação, uma sobre a possível formação de cartel e a outra sobre a possível aumento abusivo de preço. Se existiu o aumento abusivo, sem justa causa, ele está caracterizado em determinado tempo. Durante esse tempo, se comprovar que ele Se por um dia, duas semana. O crime ocorreu e será punido. Os donos de postos irão responder processo criminal.

Esse recuo dos posto pode ser considerado reconhecimento do aumento abusivo?
Não me atrevo a responder.

Qual o andamento das investigações? 
Hoje as investigação para o cartel estão aguardando as conclusões sobre a análise de mercado do varejo de combustível de Natal, solicitadas às secretarias de Tributação e de Secretaria de Defesa Econômica do Ministério da Justiça. Como envolve questões tributárias e econômicas, foge da vontade e das mãos do Ministério Público, porque a gente não tem a espertice (sic) ou os dados necessários para chegar a conclusões nesse nível. Nos últimos dez dias notificamos as Secretarias de Tributação para informar sobre os motivos do reajuste, na linha do preço abusivo. Mas já entramos em contato com os técnicos para enviar somente quando for remetido todas as informações a serem ainda pedidas pelo perito.

Há um prazo para a conclusão?
Não. Porque eu não sei ainda nem o que vou pedir e quanto vai demorar para receber as respostas. Em princípio, surge com prazo de 90 dias, mas pode ser prorrogado.

Fonte: Tribuna do Norte

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