Natal só tem larvicida para três semanas

Ricardo Araújo - Repórter

O larvicida utilizado para combater os potenciais focos do mosquito da dengue, em Natal, poderá acabar em duas ou três semanas. A informação é do supervisor geral endemias do Distrito Oeste, Valderi Barbosa Vieira. Além disso, o número de agentes é insuficiente para atender a capital num momento considerado crítico, onde uma nova epidemia se instala. As enfermarias e corredores do Hospital Giselda Trigueiro refletem o aumento dos casos da doença em todo o Rio Grande do Norte. Somente ontem pela manhã, cerca de 10 pacientes recebiam atendimento com suspeita da forma hemorrágica da doença. 


fotos: alex régisSucatas e borracharias, por exemplo,  são pontos vulneráveis para o controle da dengue. Lá, os focos do mosquito encontram abrigo ideal para reproduçãoSucatas e borracharias, por exemplo, são pontos vulneráveis para o controle da dengue. Lá, os focos do mosquito encontram abrigo ideal para reprodução
 Na zona Oeste, alguns bairros são considerados os mais críticos com índice de infestação predial pela larva em torno de 3,9%. O ideal, conforme recomendação do Ministério da Saúde, seria 1% por cada domicílio, prédio comercial ou terreno inabitado. Para conter o avanço, seis ciclos de visitas deveriam ser realizados anualmente. “Há uma deficiência de pessoal que nos impede de cumprir os ciclos a cada dois meses”, afirmou Valderi Barbosa. Para cobrir toda a cidade, a SMS dispõe de apenas 76 agentes. Em Fortaleza, por exemplo, são mais de dois mil homens para desenvolver o mesmo trabalho.

 Excluídas as dimensões geográficas entre as duas capitais, o número insuficiente de profissionais contribui para o aumento da infestação em Natal. Não por  incompetência, mas pela alta demanda de serviço que os impede de cumprir a quantidade de ciclos recomendada pelo Ministério da Saúde. Somado a isto, a falta de consciência por grande parte da população se torna um agravante na guerra contra o mosquito. Para Valderi Vieira, faltam políticas públicas mais eficientes e que orientem o cidadão sobre os reais perigos da doença.

 O que acontece hoje, de acordo com o supervisor Valderi Vieira, é reflexo de um relaxamento por parte da população e poder público em relação aos índices da doença   em 2009 e 2010 que foram menores em relação ao mesmo período de 2011. “Quando os índices de dengue baixam, todos relaxam. Desde a população ao poder público em todas as esferas. Enquanto isso, os mosquitos estão desovando em todos os pontos da cidade”.   O risco de epidemia neste ano foi sinalizado pelo próprio supervisor como pelo médico infectologista Hênio Lacerda.

 Além dos recursos humanos disponíveis para o combate ao agente transmissor serem aquém do ideal, os órgãos que deveriam ter se articulado para trabalhar em em conjunto com a SME, não o fizeram. Urbana, secretarias municipais e a própria população, se tornaram reféns de um problema que poderia ter os casos reduzidos se as ações fossem mais eficientes e realizadas não somente no momento em que os índices aumentam. Assim como em muitas outras áreas da saúde pública, não houve prevenção.

 “E a culpa acaba recaindo sobre nós”, analisa o agente de endemias, Lucas Sheiliyg. Levando em consideração a Ação Civil Pública nº 001.09.007097-7, a qual determina a realização de seis ciclos de visitas aos imóveis em 2011, o secretário municipal de Saúde, Thiago Trindade, assinou a Portaria nº 090/2011 na qual determina que os agentes cumpram a jornada de oito horas diárias. Um dos argumentos apresentados pelo secretário, na busca de uma explicação pelo descumprimento dos seis ciclos em 2010, foi o elevado índice de faltas da categoria. 

 Para os agentes que estavam em campo na manhã de ontem, não adianta aumentar a carga horária. “Os seis ciclos não serão completos com o aumento da carga e sim com a contratação de pessoal”, comentou Lucas. Além dos agentes, o supervisor Valderi afirmou que o número de profissionais não supre a demanda. “O ideal seria termos 90 agentes em campo e mais uma reserva técnica de 10% para os casos de férias e licença maternidade, por exemplo”.

 Sobre as ações de combate, o secretário municipal Thiago Trindade garantiu que 64 homens do Exército e Marinha darão apoio aos agentes. “Estamos acertando alguns detalhes e em uma semana, o serviço contará com os militares”, afirmou. Sobre a reposição do estoque do larvicida, a secretária estadual de Saúde adjunta, Ana Tânia Sampaio, confirmou que o processo de compra está em andamento. Um novo boletim com dados atualizados da dengue no estado, será divulgado hoje pela Sesap.

Hospitais sem leitos para tantos pacientes

 Juciara Kallyne, aos 27 anos, não imaginava que sua primeira dengue seria tão severa. Moradora do bairro Dix Sept-Rosado, apontado pela SME como uma das localidades com maior incidência da doença, ela se contorcia de dor sentada numa cadeira de um dos ambulatórios do Hospital Giselda Trigueiro. Internada desde o sábado passado, Juciara está com água na pleura, retenção de líquido no abdômen, desconforto respiratório, fígado aumentado e sangramento. 

“Ela deveria estar numa UTI. O caso dela pode progredir para algo mais complexo caso não façamos o correto acompanhamento”, explicou o médico infectologista Hênio Lacerda. O diagnóstico de Juciara é de uma dengue hemorrágica severa, cujo pico se dá entre o terceiro e o quinto dia da infecção. “A gente percebe o aumento de casos de pacientes com dengue hemorrágica. As enfermarias estão cheias e crianças estão sendo infectadas”, afirmou Hênio.

 Até o dia 23 de março, 133 casos suspeitos de dengue hemorrágica foram notificados no hospital. Moradora de Macaíba, a dona de casa Maria das Vitórias Pereira dos Santos, passou dez dias internada. “Começou com o que é comum à dengue. Depois apareceram manchas no meu corpo e foi detectada a forma hemorrágica da doença”, relatou.Além do sangramento gengival característico da enfermidade, o ciclo menstrual de Maria se deu no mesmo período, o que complicou ainda mais seu quadro clínico. Hênio Lacerda afirma que a doença é grave e pode levar à morte. E faz um alerta: “Nós não temos leitos suficientes para a quantidade de pessoas que podem ser infectadas”. 

Bairros mais pobres são os mais expostos

 Os bairros nos quais os maiores índices de infestação predial pela larva do mosquito da dengue foram identificados, compõem a zona oste, considerada uma das mais pobres da capital. As residências e favelas nela situadas, estão inseridas num cinturão de necessidades básicas de saúde: saneamento básico e regularidade na oferta de água potável, por exemplo.

 Apresentando os quadros mais críticos, de acordo com o Setor de Epidemiologia da SME - Quintas, Dix Sept-Rosado, Nazaré e Guarapes - sucumbem a uma epidemia evitável. Com o intuito de reduzir os índices e controlar o avanço do mosquito, as visitas nestes bairros é feita a cada dois meses pelos agentes.

 Num estado epidêmico, que é o vivenciado hoje pela população natalense, uma das armas na luta contra o mosquito são os carros fumacê. Em Natal, nenhum deles é visto em ação pois todos foram deslocados para as cidades do alto e médio Oeste potiguar. “A determinação do uso destes equipamentos é de responsabilidade da Secretaria Estadual de Saúde”, explicou Valderi Vieira. Segundo ele, os veículos só poderão ser utilizados na capital quando o ciclo de combate for concluído no interior.

 Somente na zona Oeste, 86 pontos estratégicos foram listados pelos técnicos da SME. A maioria dos locais são borracharias, oficinas mecânicas, garagens de empresas de ônibus e sucatas, potenciais criadouros de larvas. Até mesmo o Detran, localizado na Cidade da Esperança, foi autuado pela Vigilância Sanitária por terem sido identificados inúmeros focos do mosquito nos veículos abandonados no pátio do órgão.
TN online

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