Espetacular por Hugo Manso


Pobreza Rural, Desenvolvimento e Políticas Públicas:
Desafios e alternativas

Palestra 20 de Setembro de 2011. UFERSA – Campus Angicos
           

Hugo Manso
Engenheiro e professor do IFRN
hugomanso@uol.com.br

Introdução:

            Gostaria de iniciar, lembrando que a pobreza não é uma fatalidade ou um fruto do acaso. Ela é consequência de um modelo perverso que visa concentrar a renda e os bens nas mãos de poucos e que busca, incansavelmente, impedir a conscientização da grande maioria das pessoas sobre os seus males e as formas de combatê-la. No Brasil este quadro vem deste a colonização portuguesa. Segundo Gomes (2010), “de cada três brasileiros dois eram escravos, negros forros, mulatos, índios ou mestiços (...) população pobre e carente de tudo, que vivia à margem de qualquer oportunidade em uma economia agrária e rudimentar, dominada pelo latifúndio e pelo trafico negreiro (...) o analfabetismo era geral. E cada dez pessoas, só uma sabia ler e escrever.” Este cenário perdurou em todo país até a proclamação da republica em 1889 e somente no século XX podemos falar em políticas nacionais voltadas a educação, saúde e crescimento econômico.

            A Educação e os investimentos no fortalecimento das redes e políticas sociais de proteção aos pobres, não foram prioridade nos orçamentos brasileiros ao longo do século XX o que manteve o fosso entre os níveis de desenvolvimento humano do Brasil para com os países capitalistas centrais. Com raros momentos de visão ampliada de Estado, os governos brasileiros sempre deram prioridade e seguiram os princípios do “capitalismo neoliberal”, através do pagamento dos juros das dívidas públicas e uma subordinação industrial e tecnológica secular.

            Quando da vitória eleitoral do Presidente Lula da Silva, já no século XXI, o Brasil ainda apresentava um quadro de forte anemia nas políticas públicas voltadas a superação da pobreza rural, principalmente no Norte no Nordeste. Hoje, passados 9 anos podemos fazer um primeiro balanço de um  período curto se levado em consideração os fatores históricos da concentração de riquezas no país, porém representativo de um novo modelo de organização e valorização da produção na agricultura familiar, na economia solidaria e na superação das desigualdades.

            No site www.mda.gov.br encontra-se a evolução dos recursos aplicados pelo PRONAF no período. Na safra 2002/3 o governo Fernando Henrique destinou 2,4 bilhões de reais, sendo aplicados já pelo governo Lula a cada ano, os seguintes valores: 4,5 bi; 5,1 bi; 7,6 bi; 8,4 bi; 9,1 bi e 10,8 bi. Como estimativa para 2009/10 tinha-se 13 bilhões e para a safra 2010/11 estão disponibilizados 16 bilhões de reais num crescimento de 572 % no período. Quanto aos contratos de crédito PRONAF, nas diversas linhas, o Brasil saiu de 890 mil para 2 milhões de contratos por ano/safra.

            Ao criar quinze milhões de empregos com carteira assinada, os governos Lula não apenas diminuíram fortemente o desemprego aberto, mas criaram um novo ciclo de formalização do mercado de trabalho no Brasil, interrompido desde os anos oitenta. Com isto, a crise da Previdência pública brasileira, aprofundada nos anos 90, vai sendo superada. Paralelamente, ao praticar uma permanente e robusta política de elevação do valor real do salário mínimo, os governos Lula criaram uma pressão, não apenas na base da pirâmide dos salários, mas sobre todo o mercado de trabalho brasileiro, elevando, além disso, os benefícios sociais que têm o salário mínimo como referencia. Já o programa Bolsa Família, aliado a um conjunto de outros voltados para a inclusão social, provocou uma verdadeira transformação social na base da sociedade brasileira. Isto acarretou uma redução drástica do exército industrial de reserva, da qual sempre se alimentaram os capitalistas para garantir a super exploração da força de trabalho no Brasil. Em particular, o Programa Territórios da Cidadania criou uma nova metodologia de planejamento participativo para a inclusão social. Na educação, pela primeira vez na história, as políticas públicas começaram a ganhar uma dimensão sistêmica e universalista.


A crise neoliberal:

            No início do segundo governo Lula, a economia e a política internacionais passam por um momento de crise e transformação, todos os indícios levam a crer que se trata de uma crise estrutural e mais prolongada do padrão de desenvolvimento econômico neoliberal. Com origem na Europa, a ideologia neoliberal criticou e colocou-se como alternativa ao modelo desenvolvimentista, ainda nos anos 30. Trata-se de uma volta aos ideais liberais. Dois são os objetivos clássicos do neoliberalismo: o econômico que visa alcançar maiores índices de crescimento e maiores taxas de lucro mantendo a inflação sob controle tendo no combate aos sindicatos e abolição dos direitos trabalhistas uma de suas receitas. O político que propõe um estado restrito ao fornecimento do marco jurídico, garantindo o livre funcionamento do mercado, o respeito dos contratos e a preservação da propriedade privada.

            No Brasil esta ideologia firmou-se na década de 90 quando já estavamsistematizados no “Consenso de Washington” seus princípios: disciplina fiscal; reorientação do gasto público; reforma tributária; liberalização financeira; taxa de câmbio unificada e competitiva; liberalização comercial; eliminação das barreiras ao investimento estrangeiro; privatização das empresas publicas; promoção da livre concorrência e proteção dos direitos de propriedade.
            A construção de uma Revolução Democrática[1] no Brasil e a constituição de um novo Estado democrático precisará do aprofundamento da democracia e do pluralismo. A solidariedade, a justiça social, de gênero e de raça. Um novo Estado que reafirme a soberania nacional e os direitos dos trabalhadores.

            Um novo estado que apresente uma política afirmativa para a educação e a agricultura familiar no país, olhando para o pleno desenvolvimento de suas potencialidades. Um novo estado que aplique as novas tecnologias olhando o desenvolvimento humano e sua relação com o meio ambiente. Aonde a agricultura e a produção de alimentos se associem a vida humana no campo, nas pequenas e médias cidades. Aonde a política industrial assegure convivência com a dignidade de morar, locomover-se e ter acesso a saúde, educação, lazer e cultura pela população. Um novo estado que, superando as amarras neoliberais, insira o Brasil de forma solidaria no novo ambiente internacional em construção.

            Segundo Jamenson, (2002) “Em discussões da globalização em nível político, a questão predominante é a do estado-nação. Ele acabou de vez, ou será que ainda tem um papel vital a desempenhar?” Esta é uma questão chave no debate brasileiro. A necessária independência política, econômica e cultural foi demonstrada pelo governo brasileiro no debate da ALCA (Área de Livre Comercio

Criação de um Estado com fundamentos democráticos diversos daqueles do paradigma neoliberal. Um processo de refundação institucional, com novos princípios de fundação de direitos e deveres, novas instituições e novas formas de regulação, com incorporação de valores do feminismo no sentido da superação das dimensões patriarcais presentes na tradição liberal. A revolução democrática encerra a disputa e a superação crítica do liberalismo como visão que legitima e estrutura a sociedade capitalista.

das Américas) diante dos EUA. Desde a primeira campanha vitoriosa em 2002 até hoje, o fortalecimento do Brasil no cenário internacional reafirma seu papel como nação independente e solidaria.

A crise econômica de 2008 colocou em xeque a continuidade do programa neoliberal a partir da maciça intervenção estatal para salvar grandes bancos nos EUA e Europa. Gerou ainda redução no poder dos EUA diante a economia global, fortalecendo a ascensão de novas articulações (G20 e BRICS). Abriu-se assim, uma fissura na hegemonia do “pensamento único”.  No Brasil as iniciativas para o enfrentamento desta crise, deram origem a um conjunto de fatores anti-neoliberais.  Entre elas o aumento do salário-mínimo em plena crise, a sustentação e mesmo ampliação dos programas sociais, como o Bolsa Família e, a nosso ver, a expansão dos Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia, o surgimento de novas Universidades, como a UFERSA são outros indicadores positivos na perspectiva de superação do ambiente neoliberal no Brasil.

            Com grande esforço, alguns países emergentes, dentre os quais se destaca o Brasil, conseguiram transitar pelas linhas de menor resistência apresentando algumas alternativas. Entretanto, no cenário internacional, esses casos representam a exceção mais do que a regra. A crise internacional que se iniciou em 2007 e 2008 desmistificou as supostas virtudes teóricas da auto regulação dos mercados e explicitou de forma inequívoca os males práticos causados pela desregulamentação financeira. As políticas e medidas de combate à crise foram marcadas, nos países centrais, pela injeção de liquidez e pela emissão monetária revelando a utilização contestável do dinheiro público a fim de salvaguardar as riquezas privadas. Já nos países periféricos, algumas políticas e medidas anticíclicas, como ocorreu no caso do Brasil, lograram êxito em neutralizar ou minimizar os impactos mais diretos da crise, ainda assim elas foram insuficientes para debelar certos efeitos colaterais que afetaram os mercados de câmbio, juros, commodities e manufaturas, guardadas as devidas especificidades.

            Assim, o Brasil vive momentos de incertezas e dúvidas. O governo Dilma Rousseff patrocinou cortes orçamentários e novas exigências ao planejamento macro econômico. O ano de 2011 não tem sido fácil, contudo percebe-se claramente o peso e a influencia brasileira na política internacional. A presença da presidenta na abertura da Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU) onde fará um discurso de “esperança” para outras nações não apenas será simbólico por ser a primeira mulher a fazer o discurso da abertura da Assembleia Geral, mas por tudo quanto o brasil simboliza na crise e na perspectiva de superação dela.

A pobreza rural:

Denunciei a fome como flagelo fabricado pelos homens,
contra outros homens
Josué de Castro
                Desde a publicação da Geografia da fome pelo genial Josué de Castro, dois foram os marcos na luta política, economica e sobretudo ideologica pela dignidade dos que nada tem e muito necessitam: o lançamento do programa “Fome Zero” e o retumbante sucesso por ele alcançado. É evidente que ainda não chegamos à superação da fome no Brasil. Contudo a vitória do Jose Graziano em renhida disputa com um concorrente respeitado, o ex-chanceler espanhol Miguel Angel Moratinos pela coordenação da FAO é uma demonstração que os países mais carentes, aqueles onde a fome ainda castiga milhões de seres humanos, as Nações que conhecem os flagelos da desnutrição, da mortalidade infantil e de toda sorte de carências, optaram pelo nome do brasileiro justamente por sua identificação com o trabalho que desenvolveu no governo brasileiro e esperam que a FAO, sob seu comando, faça ainda mais do que vem fazendo na luta contra a fome e a exclusão social de centenas de milhões de irmãos nossos pelo mundo afora.
            Enfrentar a pobreza rural e urbana é, sobretudo, uma luta pelos direitos humanos que nossa geração não pode perder. 


No país de “Casa grande e senzala” falar em numeros, trazer dados da fome ou as suas fotos da pobreza são desnecessárias. Sua existencia é nitida para todos e todas que vivem e amam neste semi árido brasileiro. Trouxe aqui uma reflexão política e idológica e um conjunto de dados que nos reafirmam a certeza que decisões políticas precisam ser tomadas para sua superação e o pleno desenvolvimento de homens e mulheres em nosso planeta.

            A recente Medida Provisória 535/11, que cria programas de apoio à conservação ambiental e de fomento à produção rural, direcionados às famílias em situação de extrema pobreza,vai beneficiar os cerca de 7 milhões de pobres extremos que moram no campo brasileiro e de um estímulo à preservação ambiental, ou seja, combina-se, numa mesma iniciativa, duas prioridades importantes. Essa MP integra o plano Brasil sem Miséria, lançado pelo governo no início de junho. De acordo com o texto, a chamada Bolsa Verde será paga trimestralmente, no valor de R$ 300,00 a famílias que desenvolvam atividades de conservação dos ecossistemas em condições pactuadas com o governo federal.

            Concluo afirmando que a  expansão do IFRN e da UFERSA devem trazer o dialogo entre a ciência e as necessidades humanas no semiárido. Não podemos olhar o Brasil e o Rio Grande do Norte em particular sem olhar para a fome, a miséria e a ignorância (sigla do FMI que durante tantos anos massacrou nosso país). O olhar da esperança é o mesmo da superação da dor e da angustia de nossos irmãos, irmãs e antepassados.


Bibliografia:
GOMES, Laurentino – 1822 Como um homem sábio, uma princesa triste e um escocês louco por dinheiro ajudaram  D. Pedro a criar o Brasil – um país que tinha tudo para dar errado. . Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2010. 352p.

JAMERSON, Fredric - A cultura do dinheiro: ensaios sobre a globalização. São Paulo - Editora Vozes Ltda 3ª edição, 2002. 208 p.
www.josuedecastro.com.br  acessada em 19/09/2011 as 7 horas.

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