Doze horas no Walfredo Gurgel


De um lado, sobrecarga de trabalho. Do outro, esforço e dedicação ajudam a salvar vidas no maior hospital de urgência e emergência do Estado. Foto: José Aldenir
O maior hospital de urgência e emergência do Rio Grande do Norte, o Hospital Monsenhor Walfredo Gurgel costumeiramente é alvo de denúncias, inclusive deste vespertino, expondo a realidade da superlotação, pacientes em macas espalhados pelos corredores e a falta de abastecimento de medicamentos e insumos. Para verificar in loco a problemática do hospital referência em trauma ortopedia e responsável por atender a demanda de praticamente toda a população do Rio Grande do Norte, a reportagem de O Jornal de Hoje acompanhou o plantão noturno desta sexta-feira (1º), que começou às 19h e se estendeu até às 7h da manhã do sábado (2).
Apesar dos problemas crônicos e da superlotação do hospital, ocasionado, principalmente, pela ambulancioterapia, prática realizada pela maioria dos municípios potiguares que não dão assistência aos pacientes e os encaminham, de forma desordenada para o Hospital Walfredo Gurgel, o que se percebe é o esforço constante e incessante da equipe médica, em especial do setor da Unidade de Atendimento ao Trauma (Unitrauma) Dr. Édesio Macário, conhecido como Politrauma, em dar resolutividade aos casos que chegam e em não medir esforços para salvar vidas.
O plantão noturno desta sexta-noite foi considerado, pela equipe médica do Politrauma, como “normal” para o início do fim de semana. Os pacientes atendidos no Hospital Walfredo Gurgel foram vítimas de queda de altura, acidente de moto, acidente de veículo, perfuração por arma branca (faca), por arma de fogo (revólver), atropelamento, queimadura e espancamento. A escala médica do plantão noturno do Pronto Socorro Clóvis Sarinho, formada por seis médicos, os cirurgiões Ariano Oliveira, Eder Bezerra e Renato Filgueira, e os clínicos médicos José Antônio Vidal Gadelha, Victor Sabóia e Antônio Lessa, estava completa.
Logo no início da noite, os primeiros atendimentos do plantão, foram de casos ambulatoriais, aqueles que poderiam ser resolvidos na rede básica de saúde ou nas Unidades de Pronto Atendimento (UPAs), mas a população insiste em buscar atendimento no Hospital Walfredo Gurgel. São pacientes com dores de cabeças há dias, gripe, diarréia, inflamação leve nos olhos, dentre outras patologias de baixa complexidade.
A técnica de enfermagem da Classificação de Risco, Gorete Coelho, disse que o início do plantão estava “maravilhoso”, segundo ela, por causa da chuva que caiu no início da noite de sexta-feira (1). Ela conta que nos casos que não se enquadram no perfil dp hospital, os pacientes são orientados a buscar o serviço em outras unidades. “É importante começarmos a disciplinar a entrada, para que a sobrecarga não aumente cada vez mais aqui no Walfredo”, afirmou.
A enfermeira-chefe responsável pelo plantão noturno do Politrauma, Meire Sônia, recebeu o setor às 19h da sexta-feira (1) com oito pacientes entubados, que necessitam de ventilação mecânica e aguardavam um leito de Unidade de Terapia Intensiva (UTI). “Está agitado”, assim definiu a enfermeira. A sala possui apenas nove pontos de oxigênios, sendo que oito já estavam sendo ocupados. Teoricamente, o setor de politrauma é o primeiro local onde um paciente que sofreu um trauma grave é atendido, estabilizado e, posteriormente, encaminhando para outro setor, de acordo com a gravidade e necessidade do paciente. No entanto, não é isso o que acontece. Como, normalmente não há leitos de UTI disponíveis no Walfredo, tampouco na rede estadual, o paciente permanece na sala de politrauma ocupando um ponto de oxigênio.
Por volta das 20h30, o clima no Politrauma ficou tenso quando um vendedor ambulante vítima de um ataque de arma branca (faca) na altura da axila direita chegou para ser atendido. Bastante exaltado e perdendo muito sangue, o paciente não permitiu que os médicos suturassem o ferimento e chegou a ameaçar algumas técnicas de enfermagem que se aproximavam dele. Depois de muito esforço da equipe médica, convenceram o paciente a realizar o procedimento.
A técnica de enfermagem do Politrauma, Márcia Maria, disse que é comum pacientes, muitas vezes embriagados ou drogados, ameaçarem os funcionários durante o atendimento. “Quando isso acontece, o clima fica tenso”. Márcia disse ainda que a sobrecarga de trabalho e as condições precárias têm dificultado o trabalho dos profissionais. “A sobrecarga é grande porque são muitos pacientes graves, principalmente de clínica médica e somos apenas cinco profissionais para atender a demanda”, destacou.
O empresário norueguês Niels Hertzber, de aproximadamente 80 anos, sofreu um acidente na residência dele enquanto passava férias na praia de Camurupim, litoral Sul do Estado, por volta das 17h. Porém, o atendimento médico só foi acionado depois das 20h. A ambulância do SAMU Metropolitano chegou à residência e encontrou o estrangeiro com vários cortes na região temporal e occipital e o encaminharam para o Walfredo Gurgel. O norueguês chegou ao hospital consciente e pouco tempo depois sofreu uma parada cardiorrespiratória. Depois de aproximadamente 50 minutos de exaustas tentativas de reanimar o paciente, o norueguês não resistiu e foi a óbito por volta das 22h.
Uma cena chamou a atenção após a tentativa de reanimação do paciente. Os cerca de cinco médicos, entre plantonistas e residentes, após concluírem o atendimento ao norueguês, mesmo exaustos, partiram para atender novos pacientes e dar resolutividade a outros casos.
O cirurgião geral Ariano Oliveira considerou que o movimento desta sexta-feira (1) estava dentro do habitual, como padrão médio de atendimento. “Mas é lamentável que todo o atendimento se concentre no Walfredo e um setor que só comporta seis a oito pacientes chegue a ficar com, às vezes, 16 pacientes. Nos sentimos desconfortados, principalmente quando recebemos pacientes em estado crítico e por não termos as medidas adequadas, não conseguimos dar o fluxo correto ao paciente. Apesar das dificuldades, temos o melhor atendimento e somos o único que atende a todas as especialidades. Mesmo funcionando muito aquém do que deveria, conseguimos dar uma resposta aos problemas”, destacou o cirurgião.
O médico reclamou da falta de condições de monitorar os pacientes críticos. Dois pacientes estavam sem respirador, o que dificulta os parâmetros de avaliação de forma contínua do paciente. “Precisamos reorganizar toda a rede ou distribuir o atendimento por outros serviços, caso contrário, o caos e o desgaste será maior. Hoje, eu penso que se não tivesse aqui não conseguiria ajudar as pessoas, salvar vidas e aliviar a dor. Me sinto como uma peça necessária para o funcionamento do hospital, mas me sinto também extremamente desconfortável diante da precariedade”, afirmou o médico cirurgião, Ariano Oliveira.
Com apenas um autoclave funcionando, as caixas de sutura não foram suficientes para atender a demanda dos pacientes que necessitavam do procedimento. Por volta da meia-noite a realização de sutura foi suspensa e os pacientes tiveram que aguardar até as 7h, quando as novas caixas chegaram. Justamente nesse horário, o ritmo de atendimento deu uma caída. Voltando a ter um pico de atendimento apenas às 3h da manhã.
Por volta das 3h10, deu entrada no Walfredo, o primeiro paciente do plantão vítima de arma de fogo. Ele levou o tiro no Vale Dourado, zona Norte de Natal, chegou a ser levado para o Hospital Santa Catarina, mas como lá não estava realizando exame raio-X, foi encaminhado para o Walfredo Gurgel. O tiro atingiu a região cervical (pescoço) e a bala ficou alojada. Até às 7h da manhã, o paciente ainda não havia sido submetido à cirurgia para retirada do fragmento.
Às 4h40, mais uma vítima de arma de fogo. Um senhor foi atingido na coxa direita por uma bala, no município de Santo Antônio do Salto da Onça. Ele foi levado diretamente para o Walfredo. O único paciente que deu entrada no Politrauma neste plantão foi um jovem vitimado de arma branca (faca), durante uma discussão com o seu companheiro, em Bela Vista 2, no município de Parnamirim. O paciente perdeu muito sangue, mas por falta de equipamento de sutura, os médicos não puderam explorar a profundidade do ferimento abdominal. Por volta das 7h, as caixas de sutura chegaram.
O chefe da ortopedia do Hospital Walfredo Gurgel, Amaro Alves, ressaltou que o Walfredo é um hospital especializado no atendimento de trauma, responsável por atender uma população de aproximadamente 3,2 milhões de habitantes. Ele alerta para o fato de que, mesmo quem possui plano de saúde, em casos de acidente grave, o destino é o Walfredo. “Mesmo quem tem plano de saúde ou mora em Mossoró, Pau dos Ferros ou Seridó, quem sofre um trauma grave ,o destino é o mesmo: o Walfredo Gurgel. É uma falsa impressão de que a pessoa que tem plano de saúde está assegurado”. Metade do que se opera hoje no Walfredo Gurgel são cirurgias ortopédicas. Por mês são realizados uma média de 200 procedimentos ortopédicos, entre cirurgias e reduções. Neste plantão, foram duas cirurgias e duas reduções.
No fim do plantão, na sala de Politrauma, oito pacientes ainda necessitavam de ventilação mecânica e aguardavam o surgimento de um leito de UTI. Cinco pacientes também aguardavam atendimento, sendo que um estava sendo suturado, três esperando uma cirurgia e outro esperando a visita do neurocirurgião.
Queda de energia
Em virtude das fortes chuvas que caíram na noite de Natal nesta sexta-feira (1º), um curto circuito em um poste nas proximidades do Hospital Monsenhor Walfredo Gurgel trouxe problemas à unidade hospitalar. Entre as 22h e 00h, várias quedas de energia foram registradas, o que comprometeu, momentaneamente, o atendimento. O problema fez a diretora geral da Maternidade, Fátima Pinheiro, ir à unidade para averiguar a situação.
A diretora recomendou que os exames de ultrassonografia, raio-X, tomografia e endoscopia só fossem realizados em casos de extrema necessidade. “Vamos diminuir a sobrecarga para garantir que não teremos prejuízos maiores, mas a Cosern já foi acionada para resolver o problema”, explicou a diretora Fátima Pinheiro. Mesmo com a restrição da realização dos exames, nenhum paciente deixou de realizar os procedimentos prescritos pela equipe médica.
Fonte: Jornal de Hoje

Nenhum comentário:

Postar um comentário