Instituto Lula debate mitos e preconceitos sobre o terrorismo na África

Foto: Mauro Calove/Instituto Lula
Mitos e preconceitos sobre o terrorismo na África acabam alimentando o mercado do terror e ajudam a perpetuar os conflitos de diversas naturezas no continente. Ao contrário do senso comum, a intervenção militar não tem sido eficaz no combate ao terrorismo. Ao mesmo tempo, a África está entre as regiões que mais crescem no mundo. Seu PIB aumenta a uma taxa de 5% ao ano desde 2000 e o investimento direto estrangeiro no continente cresceu cinco vezes desde 2000, atingindo hoje US$ 50 bilhões anuais. Entre os 54 países africanos, a grande maioria têm eleições regulares. Somente neste ano, 23 eleições foram ou serão realizadas no continente africano. Em vários países, há uma alta proporção de mulheres no Congresso: Ruanda (65%), Ilhas Seychelles, Senegal e África do Sul, (mais de 40%).

Os professores Salem Nasser (FGV-SP), Reginaldo Nasser (PUC-SP) e Paulo Hilu (UFF) debateram, na noite desta quarta-feira (29), junto a Celso Marcondes, diretor do Instituto Lula, “O avanço da democracia na África e a ameaça do terrorismo”. Esta foi a sétima edição do Seminário “Conversas sobre África”, do Instituto Lula.

O século 21 é um século de desenvolvimento econômico e avanço da democracia na África. É também nesse século em que países em desenvolvimento como China, Brasil e Turquia passam a se interessar em ampliar as relações com a África. E esses países trazem um modelo diferente daquele das potências econômicas, da Europa e dos Estados Unidos, um modelo que provocou uma situação em que hoje o PIB de alguns países tem uma fatia de 50 ou 60% oriunda de doações.

Reginaldo Nasser, professor e chefe do Departamento de Relações Internacionais da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e professor do programa de Pós-Graduação San Tiago Dantas (Unesp, Unicamp e PUC-SP) desfez alguns mitos comuns sobre terrorismo. Citando dados de estudos internacionalmente reconhecidos, o professor Reginaldo Nasser mostra que as mortes atribuídas ao terrorismo atingem basicamente países afastados dos centros econômicos mundiais. 85% dessas mortes concentram-se em 5 países: Afeganistão, Iraque, Nigéria, Paquistão e Síria. Das 18 mil mortes provocadas pelo terrorismo em 2013, sete delas ocorreram na Europa. Nos EUA, na década posterior ao 11 de setembro, morream 50 pessoas nessas condições. Reginaldo Nasser chama a atenção para o fato de que há uma interdependência perversa entre terroristas e a mídia e entre os próprios atores que combatem o terrorismo no mundo. Essa interdependência criou a falsa imagem de que as ações militares são eficientes contra o terrorismo, quando apenas 7% das organizações terroristas foram destruídas por ação militar. E o pior, depois dos ataques de 11 de setembro nos EUA, embora os gastos militares tenham se multiplicado, o terrorismo cresce muito no planeta (embora não cresça dentro do território americano). Ou seja, a ideia de que o terrorismo é o Islã atacando o ocidente é muito distante da realidade e a questão é muito mais complexa do que isso.

Paulo Hilu, professor e coordenador de pesquisa de pós-graduação em Antropologia e do Núcleo de Estudos sobre o Oriente Médio da Universidade Federal Fluminense (UFF), falou sobre o Islã político desde sua origem, com a Irmandade Muçulmana, no Egito, em 1928. O movimento nasceu com o desencanto com a democracia liberal que, na época, era apenas de fachada, já que o Egito era um Estado democrático no papel, mas na prática bastante controlado pelo Reino Unido. No decorrer das décadas, esse grupo, muito ligado à elite intelectual local, parte para a revolução armada pelo controle do Estado, o que é muito patente nos anos 70. A repressão dura e a derrota dessas iniciativas revolucionárias fazem com que os militantes retornem à sociedade não mais lutando pelo Estado, mas lutando pelos corações e mentes dos cidadãos. Esses militantes criaram grupos de discussão, aulas de alfabetização de adultos e outras atividades que serviram para conquistar as classes populares à causa. Assim, as classes populares entram na luta e as reivindicações também mudam: ideario passa a ser de um moralismo conservador e reformista, não mais revolucionário. Nesse contexto o Afeganistão tem um papel muito ilustrativo. Após a invasão do país pela União Soviética, essas lideranças islâmicas passam a comandar a luta contra o império invasor. E acabam expulsando os soviéticos do seu território, o que foi fundamental para incentivar a continuação dessas lutas contra o império, seja ele comunista ou capitalista.

Salem Nasser, membro do Conselho África do Instituto Lula, professor e coordenador do Centro de Direito Global da Escola de Direito da Fundação Getúlio Vargas (FGV) fechou o seminário. Ele falou dos preconceitos que emergem nesse debate e dos perigos desses preconceitos. A "falta de democracia", por exemplo, incomoda seletivamente, segundo o professor. Ele chamou a atenção para a contradição de ao mesmo tempo em que o Irã é considerado um estado que patrocina o terrorismo, a Arábia Saudita é considerada "moderada". Por fim, o professor Salem Nasser criticou a tendência geral em explicar todos os conflitos pelas chaves sectária e étnica. Com isso, simplificamos o problema, "esse pessoal nunca se entendeu, mesmo" e deixamos vazio o espaço para a solução. "Isso me parece terrivelmente perigoso", concluiu.

Os seminários "Conversas sobre África" são organizados pelo Instituto Lula. Nesta sétima edição, estiveram presentes Augusto Inácio, conselheiro da embaixada de Angola, Siraj Abdela Negussei, cônsul da Etiópia, Muntari Abdu Kaita, cônsul-geral da Nigéria e Gerard Scerb, cônsul-honorário do Mali.

do institutolula

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