Drama do extermínio da juventude potiguar é debatido em audiência pública na Assembleia Legislativa

“Não é fácil transformar o luto em luta”. O desabafo de Graça Luca, cujo filho de 20 anos de idade foi assassinado há 11, ecoou no Plenarinho da Assembleia Legislativa do RN no início da noite desta sexta-feira, 28, deixando a todos que participavam da audiência pública sobre os homicídios contra jovens no nosso país com aquela incômoda sensação de impotência  e de nó na garganta. As estatísticas que precederam o discurso emocionado dela confirmaram que, apesar da apatia dos setores mais conservadores da sociedade, há um verdadeiro extermínio em curso contra a juventude negra, pobre e moradora das periferias no Brasil.

A audiência foi promovida pela CPI do Assassinato de Jovens, instalada no Senado Federal, com o objetivo de discutir as causas do crescimento da violência no Rio Grande do Norte. De acordo com os dados do mais recente Mapa da Violência, o estado ocupa a quarta colocação no ranking nacional de homicídios de adolescentes entre 16 e 17 anos de idade. O debate foi presidido pela senadora Fátima Bezerra (PT-RN), com a participação do senador-relator da CPI Lindberg Farias (PT-RJ) e do deputado estadual Fernando Mineiro (PT-RN). Além deles, participaram sina os senadores Garibaldi Filho (PMDB-RN) e José Medeiros (PPS-MT).

Mineiro afirmou que era importante a CPI “ouvir as narrativas sobre o que está acontecendo no RN”. Ele reiterou que as vítimas do extermínio tem um perfil bastante definido: são jovens, negros, desempregados, estão fora da escola e moram nos bairros mais periféricos.

“Quem se importa? Quem escuta? Quem age?”, questionou, numa referência à indiferença de grande parcela da sociedade diante desse fato.

Para Mineiro, “estamos perdendo a batalha da disputa de opinião na sociedade sobre a violência contra a juventude”. Essa seria uma das explicações para o apoio majoritário a medidas de forte apelo popular como a redução da maioridade penal.

“Nós vivemos numa sociedade que está apodrecida. É fácil dizer [que o assassinato contra os jovens] é um acerto de contas [do tráfico], mas é difícil admitir que, na verdade, isso é fruto da falência do Estado”, refletiu.

Estatísticas

O coordenador de Informações Estatísticas e Análises Criminais da Secretaria Estadual de Segurança Pública e Defesa Social (Sesed), Ivênio Hermes, apresentou um estudo realizado pela pasta que revela que os homicídios contra jovens com até 24 anos de idade representam 44% dos assassinatos registrados no RN. Os dados são relativos aos períodos de janeiro a agosto dos anos de 2013, 2014 e 2015.

O senador Lindbergh Farias chamou a atenção para a necessidade de entender o perfil  dos jovens assassinados no RN. “O que chamou muito a minha atenção aqui foi o numero elevado de execuções contra esses jovens. Lá no Rio de Janeiro morrem muitos jovens no enfrentamento com a polícia, as milícias e o tráfico, principalmente em razão dessa política de guerra às drogas”, comentou.

Lindbergh defendeu a desmilitarização da Polícia Militar, que na opinião dele recebe uma formação voltada para a guerra, quando a lógica deveria ser a do policiamento preventivo e comunitário.

Ele disse que as Unidades de Polícia Pacificadora (UPP’s) estão virando “forças de contenção de pobres” no Rio de Janeiro, perdendo o sentido original do programa.

“O centro da nossa política de segurança é o combate ao tráfico. Mas o que tem acontecido? Os jovens são as principais vítimas dessa guerra que não tem resolvido o problema da violência no Brasil”, avaliou.

A senadora Fátima Bezerra destacou o crescimento de 200% na violência contra jovens no RN entre os anos de 2002 e 2012.

“Esse quadro é reflexo da omissão do estado na garantia de políticas públicas para a juventude. Temos que mobilizar a sociedade em torno desse grave problema social”, advertiu.

Fátima criticou o avanço da agenda conservadora no Congresso Nacional, como a pauta da redução da maioridade penal. “É uma falácia achar que esse drama da violência será resolvido com medidas desse tipo. Os jovens são mais vitimas do que autores da violência no Brasil”, ponderou.

Juventude Viva

Para a titular da Secretaria Extraordinária de Juventude do RN, Divaneide Basílio, o desafio colocado diante de todos é “investigar e conter os crimes para assegurar que a juventude viva”.

O representante da Rede Juventude Viva, Bruno Luiz, destacou o trabalho das inúmeras entidades da sociedade civil que trabalham diariamente nas comunidades de Natal e da Região Metropolitana para combater o extermínio contra nossos jovens.

“Nós tentamos ocupar um vácuo onde o poder público não chega. É preciso darmos um passo além dos dados estatísticos. A agenda dos governos municipal, estadual e federal precisa enfrentar esse drama da violência contra a juventude”, defendeu.

A audiência contou com a participação de representantes de dezenas de instituições que atuam na defesa dos direitos da juventude, como o Conselho Estadual de Direitos Humanos, Conselho Estadual de Defesa da Criança e do Adolescente e da Promotoria da Infância e da Juventude do Ministério Público do RN. Além dessas entidades, o debate contou, ainda, com a presença do senador Garibaldi Filho (PMDB) e da deputada estadual Márcia Maia (PSB).

Certamente todos saíram do debate com as palavras de Graça Luca, a militante do movimento negro que emocionou o público com seu relato, martelando em suas consciências: “Eu não quero a paz dos túmulos. Eu quero que o meu neto, filho do meu filho assassinado, viva num país justo”.

Fotos: Vlademir Alexandre.

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