Ex-diretor do Idema assina acordo e promete delatar políticos no RN

Ex-diretor do Idema, Gutson Reinaldo é apontado pelo MP como líder do esquema descoberto no Idema (Foto: Magnus Nascimento/Tribuna do Norte)
O advogado e ex-diretor administrativo do Instituto de Desenvolvimento Sustentável e Meio Ambiente do Rio Grande do Norte (Idema) Gutson Johnson Giovany Reinaldo Bezerra assinou termo de colaboração premiada com o Ministério Público Federal e com o Ministério Público Estadual se comprometendo a delatar outras pessoas envolvidas em fraudes ocorridas no próprio Idema e na Assembleia Legislativa, inclusive "políticos que tenham praticado ilícitos".

No acordo, Gutson se compromete a devolver R$ 350 mil e quatro imóveis que, segundo ele, foram adquiridos com dinheiro proveniente de desvios e que ainda não tinham sido identificados pelo MP na investigação que culminou na deflagração da Operação Candeeiro, em 2 de setembro do ano passado. Esses imóveis, juntos, são avaliados em cerca de R$ 2 milhões. Em troca da delação, o ex-diretor do Idema deve ter a pena dele reduzida pela metade, além de passar a cumprir prisão domiciliar, o que já está sendo feito. O G1 teve acesso com exclusividade ao documento sigiloso, que tem 32 cláusulas distribuídas em 13 páginas.

Em 25 de abril deste ano, Gutson, que era apontado como o cabeça do esquema de desvios no Idema, foi condenado a 17 anos e um mês de reclusão em regime fechado pelos crimes de peculato, lavagem de dinheiro e associação criminosa, além de ter que restituir R$ 13.790.100,60 aos cofres públicos. Ele foi condenado ainda a perda de 17 bens que inclui uma casa na praia de Cotovelo, apartamentos em prédios no bairro de Ponta Negra, na Zona Sul de Natal, e uma casa no condomínio Bosque das Palmeiras, em Parnamirim. Outras dez pessoas também foram condenadas nesse processo, que já tem uma deleção premiada homologada: a de Clebson José Bezerril, ex-diretor financeiro do Idema.

O termo de acordo de colaboração premiada [uma espécie de contrato que determina, por meio de cláusulas, o que será tratado na delação] foi fechado no dia 10 de novembro passado. Além de Gutson Reinaldo, assinam o documento: o advogado dele, Manoel Fernandes Braga; o procurador da República Rodrigo Telles de Souza; o procurador-geral de Justiça, Rinaldo Reis Lima; o coordenador jurídico judicial da Procuradoria-Geral de Justiça, Afonso de Ligório Bezerra Júnior; e os promotores de Defesa do Patrimônio Público Paulo Batista Lopes Neto e Keiviany Silva de Sena. O procurador Rodrigo Telles atua na delação de Gutson por ordem do procurador-geral da República, Rodrigo Janot, conforme consta na portaria 760/2016, da PGR.

No acordo, o ex-diretor administrativo do Idema se compromete a identificar - “sem malícia ou reservas mentais”, conforme trecho do documento, os "autores, coautores e partícipes das diversas organizações criminosas" que tenham envolvimento com desvios de dinheiro público. Gutson decidiu revelar a "estrutura hierárquica e a divisão de tarefas" nos esquemas. Para isso, forneceu documentos e outras provas materiais. O acordo foi firmado porque, segundo o documento, a delação “atende ao interesse público na medida em que confere efetividade à persecução criminal de outros suspeitos e amplia e aprofunda investigações de crimes contra contra a Administração Pública”. Gutson garante fornecer documentos e informar senhas, logins, contas e outros dados, caso necessário à investigação.

As operações Dama de Espadas e Candeeiro foram deflagradas pelo MP no ano passado. Segundo os promotores de Justiça, a primeira apurou desvios de R$ 5,5 milhões da Assembleia Legislativa potiguar. Em relação à Candeeiro, um relatório elaborado pelo Tribunal de Contas do Estado (TCE) e divulgado em outubro passado aponta que foram desviados R$ 34.943.970,95 do Idema entre os anos de 2011 e 2015.
Rita Mercês (ao centro) foi presa nesta quinta-feira (20) (Foto: Sérgio Henrique Santos/Inter TV Cabugi)
Ainda não se sabe quem Gutson Reinaldo citou, mas a expectativa é que a delação faça a intersecção entre as duas operações. A Dama de Espadas prendeu a mãe de Gutson, a ex-procuradora-geral da Assembleia Legislativa Rita das Mercês Reinaldo, em 20 de agosto do ano passado – 14 dias antes da prisão do filho. De acordo com os promotores, os dois esquemas fraudulentos, separadamente, eram operados por mãe e filho.

No dia 22 de fevereiro deste ano, ainda na fase do processo resultante da Candeeiro, em depoimento ao juiz da 6ª Vara Criminal de Natal, Guilherme Newton Pinto, Gutson disse que o deputado estadual Ricardo Motta (PSB) o procurou em 2011 e lhe pediu dinheiro. “[Ricardo Motta] disse que estava com dívidas por causa das eleições de 2010, que precisava de mais dinheiro para as eleições de 2012 e que não tinha mais como tirar da Assembleia Legislativa. Diante disso, eu fiz a ponte entre esse agente político e as pessoas do Idema que sabiam como poderíamos desviar verba", falou Gutson ao juiz. Ele não havia apontado, até então, outros políticos. Ainda na fase da instrução processual, o ex-advogado de Gutson, Fábio Hollanda, também disse que há outros deputados envolvidos nas fraudes.
À época, por meio de nota, o deputado Ricardo Motta negou as acusações. Ele disse que nada do que foi dito por Gutson era verdade e que tomaria as medidas cabíveis. "Não fui responsável por sua indicação, nomeação, tampouco pelos seus atos e jamais aceitarei a calúnia cometida contra a minha pessoa. (...) Estive, estou e estarei à disposição da Justiça. Em sete mandatos de deputado estadual jamais foi encontrada qualquer irregularidade em minha vida pública", afirmou. No dia 23 de fevereiro, o Ministério Público Estadual anunciou que iria apurar o envolvimento de Motta nas fraudes ocorridas no Idema. Essa investigação ainda está em curso.
Gutson Reinaldo prestou depoimento na manhã desta segunda-feira (22) (Foto: Fred Carvalho/ G1)
Um detalhe do termo de colaboração é a participação do procurador Rodrigo Telles. Isso pode indicar que Gutson Reinaldo também delatou pelo menos um membro da bancada federal do Rio Grande do Norte. Ainda não se sabe qual deputado ou senador teria sido apontado pelo ex-diretor do Idema como partícipe dos esquemas.

Segundo apurou a reportagem, foram mais de seis meses de negociações até se chegar às assinaturas de Gutson Reinado, do advogado dele e dos membros do Ministério Público. Após fecharem o acordo, o ex-diretor do Idema prestou depoimentos ao procurador da República e aos promotores de Justiça nos dias 10, 11 e 14 de novembro. Pelo acordado anteriormente, Gutson respondeu todas as perguntas que lhe foram feitas. Uma das cláusulas do termo é que ele renuncia às garantias constitucionais do silêncio e contra a autoincriminação.

As cinco condições impostas pelo MP a Gutson para fechar o acordo são que ele identifique autores, coautores e partícipes das fraudes; revele a estrutura hierárquica e a divisão de tarefas das organizações criminosas envolvidas nesses esquemas; identifique pessoas físicas e jurídicas utilizadas para a prática desses ilícitos; forneça documentos e outras provas materiais; e que tudo o que por ele foi dito leve à recuperação total ou parcial do que desviado ou adquirido através de esquemas fraudulentos.

No acordo de delação, Gutson Reinaldo confirma que 17 imóveis apontados pelo MP como frutos de fraudes realmente foram comprados com dinheiro desviado do Idema. Por determinação do juiz Guilherme Newton Pinto, Gutson já tinha perdido esses bens, que agora passam a ser definitivamente patrimônio do Idema.

Além disso, o ex-diretor indica outros quatro imóveis que, segundo ele próprio, foram adquiridos com verba fraudada. São eles: uma unidade no edifício Javan Monte e um apartamento no Porto Astúria, ambos em Mossoró; uma casa no condomínio Bosque dos Pássaros, em Parnamirim; e um apartamento no edifício Ocean View, em Natal. A pedido do G1, três corretores de imóveis levantaram os valores de mercados desses bens atualmente. Somados, esses imóveis valem cerca de R$ 2 milhões, segundo os corretores. Os R$ 350 mil são relativos a quatro apartamentos financiados e que ainda estão em fase de construção. O dinheiro, pelo acordado, será pago 12 meses após o termo ser homologado pelo Supremo Tribunal Federal.

Para delatar outros envolvidos nas fraudes, Gutson Reinaldo, que está preso desde o dia da deflagração da Operação Candeeiro em um alojamento no quartel do Comando Geral da Polícia Militar, será beneficiado. O primeiro benefício é a redução da pena de 17 anos e um mês de prisão pela metade. O segundo é a saída de Gutson do Comando da PM. Desde esta terça-feira (20), o ex-diretor do Idema está em prisão domiciliar em uma casa num condomínio de luxo [o local não será informado pelo G1 por questão de segurança].

O advogado Fernandes Braga entrou com o pedido de prisão domiciliar de Gutson no dia 14 de novembro. O benefício foi concedido pelo juiz da vara de Execuções Penais de Natal, Henrique Baltazar Vilar dos Santos, nesta segunda-feira (19). Na decisão, Baltazar diz que a defesa de Gutson alega que o ex-diretor do Idema passa por "sérios problemas psicológicos, com risco iminente de suicídio". Gutson terá que ser examinado pela Central de Perícias do Tribunal de Justiça e usar tornozeleira eletrônica, que será instalada dentro de alguns dias. O benefício é válido, inicialmente, por 60 dias a contar desta terça (20).

A decisão do magistrado foi cumprida às 12h50 desta terça, quando Gutson deixou o quartel da PM.
Uma das cláusulas do acordo de delação firmado com o MPF e o MP diz que o ex-diretor deverá permanecer nessa condição por 8 meses, quando terá o benefício da progressão de regime, passando a cumprir pena no semiaberto por dois anos mediante o uso de tornozeleira eletrônica. Após esse período e com a devolução do dinheiro e dos imóveis, ainda segundo o que foi acordado, os procuradores e promotores “considerarão exaurido o cumprimento da pena” de Gutson Reinaldo.

Outro ponto acertado prevê que, caso Gutson ou o advogado dele solicitem medidas para a garantia da segurança pessoal do ex-diretor do Idema ou da família dele, o STF, o MPF e MP “adotarão as providências necessárias para a sua inclusão imediata no programa federal de proteção do depoente especial”.

O acordo fechado só terá validade após ser homologado pelo STF, que vai apreciar os fatos relatados e as declarações de Gutson. A partir daí, o documento servirá como base para novos pedidos de inquérito e investigações das Operações Dama de Espadas e Candeeiro. Caso haja a homologação, automaticamente, os autos dos processos resultantes das duas ações seguirão para o STF.
Clebson Bezerril é suspeito de ter participado do esquema criminoso investigado pela operação Candeeiro (Foto: Emanuel Amaral/Tribuna do Norte)
Candeeiro
Cinco pessoas foram presas na operação Candeeiro, deflagrada pelo Ministério Público Estadual em 2 de setembro de 2015. Um deles foi Gutson Reinaldo, filho da ex-procuradora-geral da Assembleia Legislativa do RN, Rita das Mercês. Segundo o MP, Gutson era o principal responsável pelo esquema. Já houve condenações em primeira instância sobre esse caso.
Os demais presos da operação Candeeiro foram Clebson Bezerril, João Eduardo de Oliveira Soares, Renato Bezerra de Medeiros e Antônio Tavares Neto.

O ex-diretor financeiro do Idema Clebson José Bezerril - que firmou acordo de delação premiada com o Ministério Público Estadual - foi condenado por peculato, lavagem de dinheiro e associação criminosa e terá que restituir R$ 4.510.136,63 aos cofres públicos. A pena dele seria de 15 anos e 9 meses de reclusão, mas, por causa da delação, a pena foi reduzida para 9 anos e 5 meses de reclusão em regime fechado.

De acordo com o Ministério Público, o dinheiro desviado do Idema foi usado para comprar apartamentos de luxo, construir uma academia de alto padrão e reformar a loja de uma equipadora de veículos, entre outras coisas.
Dama de Espadas

A operação Dama de Espadas foi deflagrada em 20 de agosto de 2015. De acordo com o MP, os desvios dos cofres da AL podem passar de R$ 5,5 milhões. Ainda segundo informações do Ministério Público, a associação criminosa era composta por servidores públicos do órgão com o auxílio de um gerente do banco Santander. Eles utilizavam "cheques salários" como forma de desviar recursos em benefício próprio ou de terceiros. Os cheques eram sacados, em sua maioria, pelos investigados ou por terceiros não beneficiários, com irregularidade na cadeia de endossos ou com referência a procurações, muitas vezes inexistentes.

A então procuradora-geral da Assembleia Legislativa, Rita das Mercês, e a assessora direta dela, Ana Paula Macedo Moura, foram presas durante a operação, mas foram libertadas por força de um habeas corpus três dias depois. Atualmente, ambas estão soltas.

No início de novembro, o G1 noticiou que o Tribunal de Justiça do RN terá que decidir se as investigações contra deputados estaduais potiguares com "fortes indícios de envolvimento delitivo" irão transcorrer em 1ª ou em 2ª instância. A determinação do ministro do Supremo Tribunal Federal Edson Fachin. Os nomes dos deputados Ricardo Motta, Álvaro Dias e Getúlio Rego constam no despacho de Fachin, que foi assinado em 22 de setembro passado. Os deputados negam envolvimento com fraudes.

Do G1 RN

Nenhum comentário:

Postar um comentário