Uma obra refém do vandalismo e abandono


Yuno Silva - repórter
A combinação de abandono, vandalismo e desrespeito a obras de arte pontuam a ainda curta trajetória do Presépio de Natal. A praça de 10 mil metros quadrados inaugurada em fevereiro de 2006, localizada em Candelária, foi projetada pelo arquiteto Oscar Niemeyer, 104, e o salão principal do lugar era ocupado por um painel de 28 metros quadrados do artista plástico Dorian Gray Caldas, 82. O verbo "ser" está conjugado no pretérito imperfeito do indicativo por um simples motivo: três quartos do grande painel de Dorian Gray está perdido, foi depredado, e o que restou encontra-se guardado há mais de um ano na Secretaria Estadual de Trabalho, Habitação e Assistência Social.
João Maria AlvesO que sobrou da tela de Dorian Gray está hoje no prédio da Sethas
O que sobrou da tela de Dorian Gray está hoje no prédio da Sethas

A construção do Presépio de Natal custou cerca de R$ 1,3 milhão aos cofres públicos, e sua recuperação está orçada em R$ 1,1 milhão devido a falta sistemática de manutenção por parte do Governo do RN. Já a restauração do painel, medindo 2 metros de altura por 14 metros de comprimento, está estimada em R$ 100 mil reais.  

Idealizada como área multiuso, para eventos culturais, religiosos e turísticos, a praça já recebeu de Festival Gastronômico do Camarão, feira de artesanato a shows de Ângela Maria e Waldonys. Hoje, está completamente destruída: o painel de Dorian Gray deu lugar a pichação e lixo; todo o ambiente passou a ser utilizado como 'banheiro' improvisado; a fiação elétrica foi roubada, assim como luminárias, pias, torneiras e portas de vidro. O forro de gesso e algumas paredes foram destruídas, e o pátio serve como pista para alunos de motoescola.

O LAMENTO DO ARTISTA

O painel do artista plástico Dorian Gray Caldas, de 2 metros de altura por 14 de comprimento, criado especialmente para o Presépio de Natal, é dividido em quatro momentos que retratam a história de Jesus Cristo: nascimento, vida, morte e ressurreição - apenas a tela retratando o nascimento foi resgatada. "Eles (os vândalos) cortaram o painel de cima abaixo em tiras, com faca ou canivete, e não tinha como salvar nada", disse Gray por telefone.

O artista lembrou do orgulho de ter sido convidado para criar o painel e dele ter sido aprovado por Neimeyer. "Tenho tudo documentado, e uma solução mais em conta seria imprimir uma réplica em grande escala a partir dos arquivos digitais que guardei", apontou. Ele disse ser "impossível fazer uma réplica perfeita", pois o trabalho era único e original, e que o ideal seria "fazer um novo trabalho com a mesma temática". Dorian Gray calcula que serão necessários cerca de R$ 100 mil reais para recuperar a tela que sobrou e pintar outras três para completar o painel.

O artista plástico de 82 anos vem trabalhando na recuperação de obras espalhadas pela cidade. Em 2011, restaurou o painel de sua autoria que ornamenta a Praça das Mães, na Cidade Alta. Também foi responsável pela recuperação de três trabalhos do saudoso Newton Navarro (1928-1992): um de 80m² no Campus Central do IFRN, em Lagoa Nova; outro no auditório do Sesc Centro; e um terceiro na sede do DER. 

Navarro e Gray são da mesma geração e juntos realizaram as primeira exposições de arte contemporânea em Natal na década de 1950. "Tive um trabalho louco para restaurar as obras de Navarro, seu traço é peculiar, começa longo e termina fininho", lembrou.

Também escritor e poeta, Dorian Gray Caldas lança dois livros nesta próxima sexta-feira (23), às 18h, no pátio da reitoria da UFRN - "A necessidade do mito" (Fecomércio/EDUFRN, 280 páginas) e "A hora única" (BNB/EDUFRN, 250 páginas). 

ADMINISTRAÇÃO

Até 2009 a gestão do espaço estava à cargo da Sethas, que chegou a realizar três edições da Mostra Potiguar de Artesanato no local, mas a responsabilidade pela edificação foi repassada para a pasta de Infraestrutura (SIN) já no governo Rosalba Ciarlini. "Devolvemos o prédio por questões logísticas, mas temos total interesse em movimentar permanentemente a área com uma feira semanal de artesanato", adiantou o titular da Sethas, Luiz Eduardo Carneiro Costa. O secretário informou que a SIN está buscando recursos para a reforma do Presépio através da modalidade parceria público-privada. "A tendência é essa", acredita o secretário.

Ele ressaltou a importância da obra de Dorian e do projeto de Niemeyer para a cidade, e lembrou da localização no entorno do Arena das Dunas. Segundo Luiz Eduardo, duas propostas de intenção foram formalizadas e estão em análise: uma do Conselho de Arquitetura e Urbanismo e outra da Federação Norte Rio-grandense de Futebol - está última interessada em instalar um museu do futebol no local. "Independente de quem seja o parceiro, que deverá, inclusive, arcar com os custos de recuperação, temos a prerrogativa de ocupar semanalmente o pátio com a feira de artesanato", frisou.

ESTRUTURA

O Presépio de Natal foi idealizado em 1999 por membros da Academia Norte-riograndense de Letras, contudo a construção passou seis anos paralisada por impasses de recursos e quebra de convênio. Na época, o escritor e presidente da ANL Diógenes da Cunha Lima, solicitou a elaboração de um projeto para o local ao arquiteto Oscar Niemeyer, que exigiu a instalação de uma obra de arte de um artista potiguar. 

CRONOLOGIA

1999 - Presépio de Natal é idealizado pelos membros da Academia Norte-riograndense de Letras
2000 - Obras são iniciadas e paralisadas
2005 - O Governo do RN retoma a construção
2006 - Em fevereiro o espaço é inaugurado
2009 - São realizadas três edições da Mostra Potiguar de Artesanato
2010 - O Presépio de Natal é abandonado pela gestão pública
2011 - Um quarto do painel de Dorian Gray Caldas, de 28m², é resgatado pela Sethas, que repassa a gestão do espaço para a pasta de Infraestrutura
2012 - A Secretaria de Infraestrutura estuda propostas de recuperar a praça através de parceria público-privada
Fonte: TN ONLINE

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