Projeto de lei ameaça banir celular das escolas de Natal e gera polêmica


A estudante Ana Zélia Carrilho Câmara, 14 anos, já esqueceu algumas vezes de colocar os livros didáticos na mochila que leva para a escola, mas o telefone celular nunca deixa de ser levado. Ela se considera dependente do celular e das tecnologias agregadas ao aparelho, como a internet e as ferramentas que permitem fazer fotos, vídeos e gravação de áudios. "Às vezes isso acaba prejudicando meus estudos. Tenho boas notas, mas minha mãe reclama muito", reconhece. Anísia Carrilho, mãe da adolescente, concorda com a filha. "Converso muito com ela sobre isso, falo que atrapalha o aprendizado. Eu permito que ela leve o celular para o colégio, mas sou contra que utilize em sala de aula", relatou.
Usar celular na escola é algo polêmico e a proibição está prestes a virar realidade para todo o ensino na capital. Foi aprovado em primeira discussão o projeto de lei nº 030/2011, de autoria do vereador Heráclito Noé (PPS), que proíbe o uso do celular em todas as escolas de Natal, segundo a assessoria de imprensa da Câmara Municipal. O documento ainda será submetido a uma segunda votação, e só entrará em vigor se for sancionado pela prefeita Micarla de Sousa (PV).
"Essa proposta seria desnecessária se todos os adultos e jovens tivessem educação no uso dos celulares em locais públicos", apontou o vereador que propôs o projeto de lei. Heráclito Noé lembrou que a medida, se sancionada, não valerá apenas para os estudantes. "Os professores também muitas vezes interrompem as aulas para atender os celulares", salientou.
A situação é mais comum do que se pensa e o aparelho celular já se tornou corriqueiro no espaço escolar. Os celulares estão presentes nas ruas, nos cinemas, teatros, velórios e também no trânsito. Mas é nas escolas e, especialmente dentro das salas de aula, que o uso mais preocupa os educadores. Na maioria das escolas, o uso é permitido com restrições. Muitas vezes os professores se sentem obrigados a interromper a aula, pedir ao aluno que desligue o telefone ou quevá atender fora da sala.
Apesar disso, em geral, a regra é: nem alunos nem professores podem atender ligações dentro da sala de aula. "Se tiver o propósito de ser utilizado como ferramenta pedagógica de pesquisa, com acesso à internet, fazer fotos para trabalhos, vídeos educativos, ou seja, que tenha utilidade para algum trabalho, somos favoráveis. É uma tecnologia a favor do ensino", destacou o coordenador pedagógico do colégio Marista de Natal, Nery Adams. "Conheço um professor que fez um trabalho sobre geoprocessamento utilizando os GPS dos alunos".
Fonte de ansiedade e desatenção
No Colégio Marista, que tem cerca de dois mil alunos e é uma escola particular que reúne ensino infantil, fundamental e médio, qualquer estudante tem a liberdade de levar seu aparelho para a escola. No entanto, quem for flagrado utilizando celular durante as aulas terá o aparelho levado à coordenação, e a devolução só poderá ser feita diretamente aos pais. "Se o telefone não for utilizado de forma apropriada, prejudicará o aprendizado, ao invés de auxiliar a criança ou adolescente", destacou o coordenador pedagógico Nery Adams, que também é psicopedagogo.
Para ele, o uso do celular nessas circunstâncias é negativo porque tira a concentração e gera ansiedade no aluno. Diz o psicopedagogo: "O aparelho faz o estudante ficar disperso durante o período em que deveria prestar atenção. O ideal é que ele permaneça desligado. Não adianta deixar no silencioso ou vibrador, porque, ao perceber o contato, ele vai ter curiosidade de saber quem ligou ou mandou a mensagem. Pode se tornar um vício", acrescenta.
Mas os aparelhos celulares na escola não têm apenas aspectos negativos, especialmente no que se refere à falta de concentração. O psicopedagogo destaca, além do potencial tecnológico para uso em sala de aula, o aparelho serve para garantir a segurança dos filhos. "É um modo de saber onde o filho está".
Os estudantes Éberth Mastroiani e Vitor Morgan, ambos com 14 anos, asseguram que só utilizam o telefone em sala de aula quando precisam entrar em contato com os pais. "Gosto de tê-lo comigo para eventuais emergências", apontou Éberth. Os dois colegas foram abordados e tiveram o celular levado à coordenação porque estavam atualizando uma rede social. "Agora meus pais terão que vir aqui no colégio e pegá-lo na coordenação. Acho que não deveria ser proibido", lamentou Vitor.
Regras já são aplicadas em escola pública
Os educadores parecem aprovar a iniciativa de se criar uma lei para limitar o uso dos celulares nas escolas. Iole Bárbara, professora de português do Instituto Ary Parreiras, no Alecrim, resumiu por que é favorável à medida. "Atrapalha a aula, tira a concentração de quem atende, de quem está perto e do próprio professor", afirmou. Vilma Sales, que também ensina na mesma escola, lembrou que, muitas vezes, os pais ligam para os filhos no momento da aula, prejudicando o rendimento dos estudantes. "Porque não procurar saber qual o horário do intervalo? Porque não ligar nesse horário?", questionou ela.
A lei é polêmica e suas determinações já vêm sendo aplicadas há pelo menos um ano no Instituto Ary Parreiras. Na escola onde trabalham as professoras Iole e Vilma é terminantemente proibido o porte e uso de celular, tanto por alunos quanto por professores, especialmente dentro da sala de aula. "Proibimos basicamente por três motivos: para evitar assaltos no deslocamento dos alunos para a escola, para evitar situações de constrangimento e bullying, e pela perturbação que causa no ambiente da sala de aula", explicou a vice-diretora, Emídia Ferreira Rosado.
São 1.450 estudantes do 1º ao 9º ano do Ensino Fundamental. Alguns são contra, e outros a favor da proibição. "Eu uso e o mantenho no modo silencioso, mas sei que a escola não permite. Eu concordo porque acho que o aparelho tira a atenção da gente na aula. São muitos atrativos: música, vídeo, internet e os jogos", disse Yasmin Rodrigues (12), do 7º ano. Já Samuel Assunção, 13, diz que sempre mantém o celular desligado, mas opta por levá-lo à escola. "Não concordo com a proibição. Se houver alguma coisa comigo, eu passar mal na escola ou ficar doente, como é que vou avisar à minha mãe?", questiona o garoto.
Apesar de levar os aparelhos para a escola, muitos estudantes desobedecem à determinação. "Se eu pegar um aluno com celular e for a primeira vez, recolho o aparelho e entrego no final da aula. Se a situação se repetir, só entrego no final do turno, e se ocorrer pela terceira vez, levo o aparelho à coordenação para que os pais venham recolher", disse Iole Bárbara. Vilma Sales é mais radical. "Levo direto pra coordenação. Infelizmente isso às vezes é necessário'.
Aluna do 7º ano, Vitória Lídia (11) teve esse castigo após ser flagrada passando músicas para colegas de turma através do bluetooth no meio da aula. "O celular é muito útil, principalmente para casos como na semana passada, quando eu peguei um ônibus errado. Usei muito o celular ligando para minha mãe", contou.
Os limites entre proibição e invasão de privacidade
Proibir celulares nas escolas é algo que permeia o limite da sutilidade e da invasão de privacidade. "Os alunos sabem que é proibido, mas desobedecem. Aí enfrentamos um dilema: não podemos simplesmente chegar para o estudante e revistá-lo, abrir sua bolsa", lembrou a vice-diretora Emídia Ferreira. Como em 2011 são muitos alunos novatos no Instituto Ary Parreiras, a escola se viu obrigada a tomar medidas mais drásticas.
Uma delas é colocar o estudante de castigo durante três dias. "Nossa disciplina é: os que forem flagrados usando telefone, ficam três dias sem intervalo. Depois que lancham eles vêm para a direção", explica ela. A vice-diretora afirma que o telefone celular pode, inclusive, ser utilizado para a prática do bullyng na escola. "Filmar o aluno comendo, fazendo brincadeiras, em situações constrangedoras, e colocar na internet, por exemplo, vai gerar um problema bem maior do que apenas uma ligação inoportuna".
Ferreira destaca que este é um tipo de costume que não tem como ser retirado de um dia para o outro. "Assumimos o mandato de direção e vice-direção da escola em janeiro e, desde então, temos percebido poucos problemas nesse sentido. Nossos alunos são como bênçãos. Tudo é feito através do diálogo com eles, com foco na boa educação. No entanto, quando for preciso dar bronca, daremos", prometeu.
A diretora do Instituto de Desenvolvimento da Educação (IDE), Cláudia Santa Rosa, critica a criação de uma lei que limite o uso de celulares nas escolas. Ela afirma que a questão interna, de competência da escola. Apesar disso, ela não vê necessidade ou justificativa para o aparelho ficar ligado durante as atividades educacionais. "A aula é o momento em que toda a atenção deve ser voltada para sua atividade pedagógica, e não desviar sua atenção. São coisas incompatíveis. "Toda lei deve ser cumprida, mas acho que a orientação de não usar celular, presente em quase todas as escolas, já é o bastante. Afinal, quem vai fazer o controle, aplicar penalidades ou consequências da aplicação da lei?", questionou.
Cláudia destaca que uma lei desse tipo interfere diretamente na autonomia das escolas e na capacidade delas estabelecerem as suas regras e terem sobre seu funcionamento. "Não questiono a relevância ou pertinência do uso do celular nas escolas, sou totalmente contra. Mas acho que deveria haver uma lei para discutir problemas mais relevantes para a educação pública do que apenas o uso de celulares nas escolas".
DN Online

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