Ayres Britto assume o STF e faz referência ao mensalão

Brasília (AE) - O ministro Carlos Ayres Britto tomou posse ontem como presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) numa cerimônia cheia de discursos fazendo referências ao escândalo do mensalão e a recentes casos de corrupção na política. 
José Cruz/ABrMinistro Carlos Ayres Britto tomou posse ontem como presidente do Supremo Tribunal Federal
Ministro Carlos Ayres Britto tomou posse ontem como presidente do Supremo Tribunal Federal

Poeta, Ayres Britto citou em seu discurso várias metáforas e fez menções holísticas, como o "terceiro olho, o único que não é visto, mas justamente o que pode ver tudo". Ele defendeu o respeito à Constituição e destacou que a norma prega princípios que devem ser observados, como a moralidade e a probidade administrativa. 

"Os magistrados não governam. O que eles fazem é evitar o desgoverno, quando para tanto provocados. Não mandam propriamente na massa dos governados e administrados, mas impedem os eventuais desmandos dos que têm esse originário poder", afirmou o ministro que ficará na presidência do STF somente até novembro, quando completará 70 anos e terá de se aposentar compulsoriamente.

Chefe do Ministério Público Federal, o procurador-geral da República, Roberto Gurgel, disse que o órgão não se intimida. "São intoleráveis os que objetivam constranger o legítimo atuar de nossas instituições, mas não nos intimidaremos jamais. Na Procuradoria sempre dizemos aos colegas que a tibieza é incompatível com o Ministério Público. Ataques pessoais antes de intimidarem o Ministério Público renovam suas forças", disse o procurador.

O presidente nacional da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) foi direto. Em sua manifestação no plenário do STF, pediu ao tribunal que julgue rapidamente o mensalão. "O tempo, temos certeza, não será empecilho para esta Corte levar à frente, o quanto antes, o julgamento dos processos relativos aos escândalos de corrupção que marcaram a nossa história recente", disse na solenidade que contou com a presença da presidente Dilma Rousseff e com a apresentação do hino nacional pela cantora baiana Daniela Mercury.

Decano do STF, Celso de Mello afirmou que os agentes estatais de todos os Poderes da República têm de se submeter ao princípio da moralidade. "O cidadão tem o direito de exigir que o Estado seja dirigido por administradores íntegros, por legisladores honestos e por juízes incorruptíveis, que desempenhem as suas funções com total respeito aos postulados ético-jurídicos que condicionam o exercício legítimo da atividade pública. O direito ao governo honesto - como tem sido sempre proclamado por esta Corte - traduz prerrogativa insuprimível da cidadania", afirmou.

Perfil

Natural de Propriá (SE) e ministro do Supremo Tribunal Federal desde junho de 2003, Carlos Ayres Britto foi relator de casos que culminaram em importantes decisões da Corte, como a derrubada da Lei da Imprensa, a liberação de pesquisas com células-tronco embrionárias e o reconhecimento da união estável entre pessoas do mesmo sexo.

Aos 69 anos, Britto recomenda aos colegas juízes "mais cinema, mais teatro, mais poesia, e a leitura de textos literários. Para ele, o julgador é "antes de tudo um homem comum com sensibilidade aguda".

As manifestações do ministro em plenário e em decisões escritas ficaram conhecidas pelas metáforas e citações poéticas que se misturam aos conceitos jurídicos. São exemplos os votos a favor da união estável entre pessoas do mesmo sexo e pela validade da Lei da Ficha Limpa.

"O órgão sexual é um plus, um bônus, um regalo da natureza. Não é um ônus, um peso, em estorvo, menos ainda uma reprimenda dos deuses", disse Britto ao condenar o preconceito contra homossexuais.

"Candidato é cândido, puro, limpo eticamente. Candidatura é candura, pureza, segundo a boa tradição romana. A Constituição Federal insiste no seu propósito de combater esse principal ponto de fragilidade estrutural de toda a história do Brasil: a corrupção administrativa", afirmou o ministro ao defender a aplicação da ficha limpa nas eleições brasileiras.

"Isso parece um salto triplo carpado hermenêutico", afirmou Ayres Britto em julgamento em que foi debatida a proposta de declarar toda a Lei da Ficha Limpa inconstitucional.

Entre maio de 2008 e abril de 2010, Ayres Britto presidiu o Tribunal Superior Eleitoral e, antes da Lei da Ficha Limpa, defendeu no tribunal eleitoral a tese de que candidatos condenados por improbidade administrativa e corrupção teriam de ficar inelegíveis.

No STF, Britto foi relator da ação penal que condenou o primeiro parlamentar no STF, o deputado federal José Gerardo Arruda (PMDB-CE) e do processo no qual foi proibido o nepotismo no Judiciário e nos demais Poderes.

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