Bahia se despede de dona Canô

Com um beijo na testa, a cantora Maria Bethânia se despede de Dona Canô, momentos antes de o corpo ser levado para a igreja matrizSalvador - Uma missa celebrada por Dom Giovani Crippa, bispo auxiliar de Salvador, e por monsenhor Valter Pinto, pároco da Igreja da Matriz de Santo Amaro da Purificação, antes do cortejo até o cemitério da cidade, marcou as despedidas dos baianos à matriarca da família Velloso, Claudionor Viana Teles Velloso. Dona Canô, como era mais conhecida a mãe dos cantores Caetano Velloso e Maria Bethânia, morreu na terça-feira, aos 105 anos de idade, vítima de complicações provocadas por  ataque isquêmico cerebral. Canô sempre simbolizou alegria e viveu rodeada de muita gente. Quando se casou com José Teles Velloso - morto em 13 de dezembro de 1983, aos 82 anos -, que não gostava de festas, foi morar com mais de 20 pessoas na casa da família dele. Em Santo Amaro, constantemente recebeu muita gente em sua casa branca de janelas e portas azuis, onde atendia visitantes de toda espécie e origem, curiosos, fãs de seus filhos e dela também, com a mesma simpatia com que reunia os inúmeros amigos em festas embaladas por boa música, histórias, memórias, serestas na varanda, carurus de 5 mil quiabos e outros atrativos. Era ali também o ponto de partida das comemorações da cidade e as famosas novenas do 2 de fevereiro, realizadas a cada janeiro e celebradas até em canção. "Não tenho escolha careta/ Vou descartar/ Quem não rezou a novena de Dona Canô...", canta Bethânia em Reconvexo, do mano Caetano.

Um dos episódios mais marcantes das comemorações do centenário de Dona Canô, em 2007, foi quando Bethânia cantou Romaria (Renato Teixeira) na missa celebrada na Igreja Matriz de Nossa Senhora da Purificação, em Santo Amaro. Devota de Nossa Senhora Aparecida, Canô recebeu de presente a visita de uma réplica da imagem da santa, levada de Aparecida do Norte (São Paulo) para lá especialmente em sua homenagem.

Quando o andor com a imagem adentrava a igreja, Bethânia, acompanhada apenas do violão de Jaime Alem, emocionou a todos ao cantar, acompanhada em coro pelos fiéis, os versos "Sou caipira Pirapora/ Nossa Senhora de Aparecida/ Ilumina a mina escura e funda o trem da minha vida..." O choro cortou a voz de Bethânia e momentos depois Dona Canô teve ser levada para fora, antes de terminar a missa, tamanha a emoção.

Sobre a arte de viver bem, a matriarca disse certa vez numa entrevista quando estava prestes a completar 103 anos: "Não acredito muito em orgulho não, acho uma palavra muito pesada. Mas se há, posso dizer que sou orgulhosa." Sua recomendação para o bem-estar permanente era não levar tudo "na ponta de faca": "Não precisa a pessoa ser boa, não, basta ser comedida".

Dona Canô teve seis filhos com Seu Zeca, e duas filhas adotivas, Irene e Nicinha, morta em 2011 aos 83 anos. Eles sempre foram motivo de alegria para ela e vice-versa. Em 2009, porém, ela não se furtou a puxar a orelha do mais famoso deles em público ao envolver-se numa polêmica com Caetano e o então Presidente Lula. Ao apoiar a candidatura de Marina Silva à Presidência da República, o compositor comentou em entrevista ao Estadão: "Não posso deixar de votar nela. É por demais forte, simbolicamente, para eu não me abalar. Marina é Lula e é Obama ao mesmo tempo. Ela é meio preta, é cabocla, é inteligente como o Obama, não é analfabeta como o Lula, que não sabe falar, é cafona falando, grosseiro. Ela fala bem." Dona Canô veio a público pedir desculpas a Lula pela frase do filho. "Lula não merece isso. Quero muito bem a ele. Foi uma ofensa sem necessidade. Caetano não tinha que dizer aquilo. Vota em Lula se quiser, não precisa ofender nem procurar confusão." O ex-presidente aceitou as desculpas com um telefonema: "Não fique chateada, preocupada, porque gosto muito da senhora e gosto do Caetano também."

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