Com fome de bola


Quando deixou o ABC,  no início de 2011, o atacante João Paulo foi se aventurar em um time pequeno da Coreia do Sul. A cidade, Gwangju é a sexta maior do país, com uma boa infra-estrutura de transportes, moradia e alimentação. O clube que o jogador potiguar defende, leva o nome da cidade, mas, não é tão grande quanto a metrópole. Pelo contrário. A cada temporada, a equipe entrava em campo brigando para não ser rebaixada. Nas duas últimas temporadas, o objetivo foi alcançado. Mas, esse ano, o castigo veio e o Gwangju não escapou da queda para a segunda divisão sul-coreana, que vai ter que disputar na próxima temporada.
Júnior SantosDepois de quase 27 horas de viagem, da Coreia do Sul até Natal, o atacante João Paulo foi recebido pelo feijão da sua mãe, Ana Carina
Depois de quase 27 horas de viagem, da Coreia do Sul até Natal, o atacante João Paulo foi recebido pelo feijão da sua mãe, Ana Carina

Um ano para ser esquecido por João Paulo, já que, por opção do treinador, ele começou a maioria das partidas no banco de reservas e não teve como ajudar mais seu time na luta contra o rebaixamento. "Até hoje não entendo como o técnico me deixava no banco de reservas. Terminei o campeonato com oito gols e oito assistências, um dos melhores da equipe e sempre saindo do banco de reservas. Fiquei chateado com o rebaixamento porque sabia que poderia ajudar mais o time. Tiveram uns três jogos que a nossa equipe tava perdendo e eu entrava e fazia o gol da vitória ou do empate. Mas, ele é o treinador e tenho que respeitar suas decisões", revela João Paulo.

Mas, uma atitude do treinador quase fez o atacante perder a paciência com o seu superior. O Gwangju estava perdendo um jogo e ele mandou João Paulo entrar na partida. Faltavam 20 minutos para acabar o confronto.  Foi quando aconteceu o inesperado, não só pelo atacante, como também por todos que estavam no estádio. " Não fiquei nem cinco minutos dentro de campo e ele me tirou. Até hoje não sei o motivo para ele ter feito isso. Tive vontade de ir tirar satisfações com ele, mas, contei até 10 e fui para o vestiário, sem reclamar", relembra.

Com o rebaixamento do seu time, João Paulo ainda não sabe seu futuro no futebol asiático. Com a sua boa temporada, mesmo sendo reserva na maioria dos jogos, algumas propostas surgiram, não só das equipes coreanas, como também da China. "Na pré temporada que fizemos na China, fui muito bem. Fiz 18 gols nos amistosos e os times de lá ficaram interessados. Lá é bom porque eles pagam bem. Mais até do que na Coreia. Alguns amigos meus, que estão na China, me disseram que tem time, que paga até US$ 30 mil por premiação, dependendo da vitória. Isso é um estímulo a mais para o jogador. Mas, meu empresário lá na Coreia está cuidando de tudo e tenho que certeza de que as coisas vão ser resolvidas da melhor maneira possível", adiantou o atacante.

Agora, com as férias, João Paulo pensa apenas em descansar em aproveitar ao lado da família os dias de folga que vai ter, até o início do campeonato coreano, programado para março de 2013. "Vou lá na escolinha Manoel Tatu, que fiz em homenagem ao meu avô, em Boa Cica, para ver como estão as coisas. São mais de 100 garotos que estão tendo a oportunidade que não tive, de treinar. Eles não precisam pagar nada. Além disso, vou inaugurar em Extremoz, um campo de society, na próxima semana. Ainda tem um jogo com meus amigos de infância, aqui mesmo,  no campo de Soledade. Estou de férias, mas tenho algumas coisas que preciso fazer, antes de voltar para Coreia", disse.

Mesmo com a saudade, pais elogiam o filho

A felicidade de João Paulo por ter conseguido um bom contrato com o time Gwangju Sangmu Phoenix, está estampada no rosto dos seus pais, João Maria e Ana Carina. Mesmo com a distância do filho, eles relembram as dificuldades do início da carreira e também dos sonhos de João Paulo, quando ainda era criança. "Uma vez, estava passando com ele em frente a uma loja decoração e comentei que tinha vontade de comprar um sofá branco para a nossa casa. Isso, ele tinha sete anos, olhou para mim e disse: ´quando eu me tornar jogador de futebol, vou comprar esse sofá para a senhora´. O tempo passou e quando João recebeu seu primeiro salário como profissional,  ele comprou o sofá", se lembra, emocionada, a mãe do jogador.
Júnior SantosJoão Paulo, ao lado da família, aproveitando as férias da Coreia
João Paulo, ao lado da família, aproveitando as férias da Coreia

Seu João Maria, pai de João Paulo, também se lembra das promessas que o filho fez, quando criança e depois, já jogador profissional, conseguiu cumprir. "Me lembro na série B de 1996, um jogo entre ABC e Paysandu, no Machadão. Eu estava com João Paulo, ao lado do ônibus do ABC, vendo os jogadores descerem para a partida. Ele se virou para mim dizendo que um dia ia ser jogador e também passar por aquilo. Não é que o sonho dele se tornou realidade?", afirmou.

Mas, para que tudo isso se tornasse realidade, João Paulo teve que seguir os conselhos da mãe, que só deixou o filho se tornar jogador de futebol depois que concluísse os estudos. Coisa rara no mundo do futebol, onde os jovens abandonam, cada vez mais cedo, as salas de aula, para tentarem a sorte no esporte. "Não teve acordo com o João Paulo não. Ele só foi ser jogador aos 17 anos, depois de terminar o terceiro ano. E foi isso que aconteceu. Por isso que sempre digo que as coisas, para ele, aconteceram muito rápido", disse Carina.

João Paulo não se esquece do que passou antes de se tornar jogador de futebol e agradece aos pais por tudo que fizeram por ele, até o momento. "Tudo que faço, é por eles. A família é minha base. Meus pais, minha irmã, minha esposa, meus tios, minha avó, é por eles que enfrento todos os obstáculos. A graça que Deus me deu, que é jogar futebol, devolvo para minha família de outra maneira. Hoje fico tranquilo, porque posso proporcionar um conforto para todos", finaliza.

Depois de casar à distância, jogador vai entrar na igreja

Um fato curioso marcou a ida de João Paulo para a Coreia do Sul. Os preceitos religiosos que são seguidos pelo jogador e sua mulher, Marleide de Souza, proibia que eles morassem juntos sem estar casados. Por isso, o casamento aconteceu à distância, com ele na Ásia e futura esposa em Natal. "Aconteceu tudo muito rápido. Fui avisado que tinha que viajar um dia antes da viagem. Só tive tempo de correr na igreja e pedir Marleide em noivado. Aí, fui para Coreia do Sul para passar seis meses, a princípio. Como vi que ia ficar em definitivo, dois meses depois, liguei para ela e disse para marcar a data do casamento. Como eu não podia vir para o Brasil, aconteceu do nosso casamento ser por procuração e no dia, que me representou foi meu empresário, Gilberto de Nadai", explica João Paulo, para depois brincar com o acontecido.
Júnior SantosCom saudade da mulher, João Paulo teve que casar por procuração, para levar Marleide para a Coreia
Com saudade da mulher, João Paulo teve que casar por procuração, para levar Marleide para a Coreia

"Meus pais estavam no cartório e as pessoas estranhavam uma mulher tão nova como minha esposa, ´casando´com um homem bem mais velho que ela. Ficaram tirando brincadeira, mas, deu tudo certo e agora estamos juntos, na Coreia", afirma.

Mas, quem pensa que o casamento, com o noivo presente, foi deixado para trás, se engana. João Paulo e Marleide vão se casar, em definitivo, no próximo dia 29 de dezembro, em Natal, poucos dias antes de voltarem para a Ásia. "Agora vai ter casamento com o noivo presente na cerimônia", brinca João Paulo.

A adaptação na Coreia do Sul não foi fácil para a mulher de João Paulo. O começa da vida em um continente diferente, com hábitos completamente opostos do Brasil, foi a primeira barreira a ser vencida. Hoje, o casal já se acostumou com o modo de vida dos coreanos e até com alguns hábitos alimentares estranhos. "O começo foi difícil. Primeiro pelo clima, que estava muito frio. Depois, pela distância da família e também a língua, que é muito difícil de aprender. E também teve a questão da comida. Os pratos lá são muito estranhos. Tinha um que era macarrão, açúcar mascavo, ovo e gelo. Outro, tinha que comer polvo vivo. Nunca tinha visto aquilo. O meu tradutor ainda disse para eu mastigar direito, senão poderia morrer. Desisti de comer na mesma hora", relembra.

Para não passar por aperreios na cozinha, João Paulo e Marleide já aprenderam: quando vão de Natal para a Coreia, levam sempre o "kit sobrevivência": feijão, cuscuz e farinha. "Sempre que vamos, levamos comida daqui, principalmente feijão. Aí, meu pai sempre vai de seis em seis meses e leva também, para não faltar. Só assim para não passarmos por problemas na comida", afirma João Paulo.
da TN

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