Médicos, estudantes e profissionais que trabalham no Hospital Giselda Trigueiro, referência estadual no tratamento de doenças infectocontagiosas, realizaram na manhã desta segunda-feira (24), um protesto em frente ao Pronto Socorro da unidade, contra as péssimas condições de trabalho, falta de insumos e medicamentos e a superlotação do Hospital. Parte dos profissionais estava vestido de preto, como forma de protesto, em luto pela saúde. Desde sábado (22), os profissionais restringiram o atendimento de urgência e emergência devido à falta de materiais básicos e equipe médica para atender a demanda. No entanto, o secretário Estadual de Saúde Pública, Luiz Roberto Fonseca, que visitou a unidade na manhã de hoje, informou que a partir do dia 1º de outubro, daqui a três meses, o Pronto Socorro do Hospital Giselda Trigueiro e do Hospital Doutor José Pedro Bezerra (Santa Catarina) serão fechados e os hospitais só realizarão atendimento referenciado.
Na porta de entrada do Pronto Socorro do Giselda Trigueiro um aviso informa que a restrição do atendimento já está sendo efetuada. No cartaz, a direção informa que “devido ao excesso de pacientes graves internados no Pronto Socorro, ao déficit de pacientes e falta de materiais básicos, no momento, o atendimento está restrito somente às classificações Amarelo e Vermelho e casos de mordedura de animais”. Os demais casos, informa o cartaz, devem se dirigir aos Prontos Socorro gerais do Município.
No Pronto Socorro, a sala de emergência está interditada, pois o aparelho de ar condicionado está quebrado há mais de dois meses e não há circulação de ar. A emergência foi transferida para a sala onde funcionava a sala de observação. Hoje, o local funciona, em condições precárias, como uma UTI improvisada. Em meio à infiltração na parede e poça de água no chão, dois pacientes (um com tuberculose e outro com AIDS) estavam entubados, a espera de um leito de UTI. Na sala, as camas estão quebradas e a fiação elétrica expõe os funcionários a choques. Hoje, a realidade do Giselda Trigueiro é de superlotação, falta de materiais e medicamentos e profissionais sobrecarregados.
O titular da Secretaria Estadual de Saúde Pública (Sesap) esteve na unidade e ouviu as reclamações dos profissionais do Hospital Giselda Trigueiro. “O mínimo que a Secretaria pode fazer é estar presente. Os apelos e o clamor de quem faz saúde no Estado não pode passar sem que provoque um incômodo em quem faz gestão pública. Eu preciso ouvir dos servidores que os angustiam, quais as dificuldades. Mas não só ouvir, encontrar soluções para resolver a situação”, destacou o secretário.
Luiz Roberto Fonseca disse que o Hospital Giselda Trigueiro é terciário e de alta complexidade, referência para doenças infectocontagiosas, mas que 60% da demanda de pacientes é ambulatorial. “Isso é uma distorção e fadiga o profissional. Isso consome insumos que deveriam estar focados para assistência dos pacientes de referência de doenças infectocontagiosas. É um problema que se o Estado esperar que vai resolvê-lo sozinho não o fará. É fundamental que a gente consiga trazer o Município para absorver a demanda de baixa complexidade, para que o Hospital possa fazer a assistência terciária. Esse é um discurso que fazemos, mas tudo acaba sempre nas costas dos hospitais terciários. Os profissionais não agüentam mais e estão fadigados, os alunos não tem o seu campo de estágio estabelecido, mas precisamos fazer o nosso dever de casa enquanto Secretaria, garantindo o abastecimento adequado do hospital”, afirmou.
O secretário disse que ainda esta semana se reunirá com o secretário de Saúde de Natal, Cipriano Maia, para informar que, dentro de 90 dias, a porta de entrada do Pronto Socorro dos hospitais Santa Catarina e Giselda Trigueiro passarão a funcionar de forma referenciada, tal qual o Hospital Maria Alice Fernandes, em que o atendimento pediátrico se dá apenas através da regulação. “É impossível para os hospitais terciários continuarem dando resposta como porta de entrada de baixa complexidade ou funcionando como um ambulatório. Essa não é a responsabilidade do Estado e não temos condições de dar essa resposta. Ou fazemos com que os hospitais dêem as respostas de hospitais terciários, ou nós vamos acabar com os nossos hospitais”, destacou Luiz Roberto Fonseca.
O secretário reconhece que o desabastecimento das unidades é um problema crítico e crônico, e que tem seu início na incapacidade de o Governo do Estado arcar com a responsabilidade junto aos fornecedores. Segundo o secretário, na área de medicamentos, o débito do Governo com os fornecedores é de aproximadamente R$ 12 milhões. “Precisamos encontrar uma forma de destinar um aporte maior de recursos. Vamos passar um relatório detalhando essa situação para a governadora e esperamos encontrar uma alternativa para sanar os nossos débitos com os fornecedores e com isso possamos garantir o abastecimento que permita aos servidores darem a resposta que a população espera”, disse. Luiz Roberto disse que técnicos da Unidade Central de Agentes Terapêuticos (Unicat) visitarão o Hospital ainda hoje. “Aqueles insumos que a Unicat já tem, nós vamos resolver hoje”.
Direção concorda com a regulação da porta de entrada
O Hospital já funcionava com uma classificação de risco, mas desde sábado (22), os próprios profissionais anteciparam a decisão e estão atendendo os pacientes apenas que estão dentro do perfil do Hospital, que são as doenças infectocontagiosas, como AIDS e tuberculose. A unidade conta com sete leitos de UTI, no entanto esse número é insuficiente, pois a maioria dos pacientes tem insuficiência respiratória e precisam de respirador. O Hospital conta ainda com 20 leitos de enfermaria destinados a pacientes com AIDS e 28 para pacientes com tuberculose.O diretor técnico do Hospital Giselda Trigueiro, Carlos Mosca, explicou que desde maio do ano passado, a direção luta para que seja regulada a porta de entrada do hospital. “Estamos tentando negociar com a Secretaria Municipal de Saúde, com os secretários anteriores para que o Giselda Trigueiro possa ter sua porta regulada, atender os pacientes pela regulação. Se conseguimos isso, vamos dar um grande salto de qualidade no atendimento”, destacou.
“A direção tem feito todo o esforço para que esses problemas sejam resolvidos, mas hoje temos uma demanda muito maior do que a demanda instalada da própria instituição. Além disso, termos um número de atendimento que extrapola a nossa capacidade”, disse. No ano de 2012, o Hospital Walfredo Gurgel atendeu cerca de 25 mil pessoas. Enquanto isso, o Hospital Giselda Trigueiro atendeu mais de 27 mil. “A rede básica não funciona e enquanto não funcionar, o Hospital Giselda Trigueiro vai ter uma superlotação”.
Profissionais relatam situação desgastante
O infectologista André Prudente trabalha no Hospital Giselda Trigueiro há oito anos. Ele conta que o Pronto Socorro só está recebendo casos “extremamente graves”, que são os atendimentos que necessitam de atendimento imediato sob risco de complicações, inclusive óbitos. Os casos menos complicados não são possíveis atender, segundo o infectologista, porque muitos pacientes graves estão internados no Pronto Socorro, utilizando ventilação mecânica, necessitando de uma Unidade de Terapia Intensiva (UTI) e o médico do Pronto Socorro é obrigado a atender os pacientes graves e não tem como atender a demanda espontânea.
Para André Prudente, o principal problema do Giselda Trigueiro é a falta de estrutura básica. “Tem duas doenças que só são atendidas nesse hospital: AIDS e tuberculose. Em relação a AIDS, está faltando alguns medicamentos essenciais para o tratamento das infecções oportunistas relacionadas a elas, há vários meses, como pirimetamina e sulfamethoxazole. Alguns medicamentos, os próprios médicos dos hospitais que estão comprando para oferecer aos pacientes e isso não é de hoje. A radiografia de tórax, essencial para o diagnóstico da tuberculose, há bastante tempo estamos sem e não há precisão de quando será realizado novamente. No final de semana, faltou esparadrapo, não temos macas, não tem cadeira para as pessoas sentarem. Nunca estive numa guerra, mas não deve ser muito pior do que essa situação”, relatou o profissional.
“Trabalhar nessa situação é desesperador, porque vemos a pessoa morrendo, e várias pessoas têm morrido por falta de estrutura, sem poder fazer nada. Sabemos como reabilitar essas pessoas e como fazerem a pessoa sobreviver, mas não temos como, pois não temos estrutura”, afirmou André Prudente, infectologista do Hospital Giselda Trigueiro.
Com a voz trêmula, a infectologista Edna Palhares relatou para o secretário Luiz Roberto Fonseca, o drama de quem, há mais de duas décadas, convive diariamente com os problemas do Hospital Giselda Trigueiro.
“Se o paciente permanecer no Pronto Socorro, infelizmente ele não sai vivo. Este fim de semana, quatro deram entrada precisando de respirador e dois foram a óbito. Estamos cansados de assinar atestados de óbitos. Queremos estabilidade de insumos e condições de trabalho para podermos trabalhar. Queremos acabar o nosso plantão com a sensação de dever cumprido e não com o pensamento de que passamos o problema para outro. É uma situação que tem nos angustiado dia após dia, pois muitas vezes, pela falta de medicamentos, somos obrigados a misturar antibióticos para ver se dar certo. Estou a cinco anos de me aposentar e espero estar viva até lá”, desabafou a infectologista Edna Palhares.
Fonte: Jornal JH
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