Fátima analisa papel da mídia na política brasileira

A senadora Fátima Bezerra (PT) fez, nesta terça-feira (3/03), no plenário do Senado, um discurso reflexivo sobre o papel da mídia e do Congresso nacional na democracia brasileira.
Segundo a Fátima, o Brasil está passando pelo ápice de um processo de desvirtuamento da política promovido pela mídia hegemônica deste país desde o primeiro mandato do ex-presidente Lula. “A mídia oposicionista e os políticos que a representam, uma vez que são por ela orientados, estão mais interessados em seguir pura e simplesmente a lógica e o interesse do mercado do que em defender o interesse nacional, que é o interesse do povo brasileiro. A mídia se porta como o maior e verdadeiro partido de oposição do Brasil. Ela quer ser protagonista do país, quer pautar a política e decidir os rumos da nação. Mais do que isso: quer ser orientadora da política e o que há de pior nisso é o fato de que alguns políticos simplesmente conduzem o que ela quer”, disse.
Fátima também fez uma defesa do papel da imprensa nacional. “A imprensa livre é fundamental à democracia, a quem tem o dever de prestar o maior dos serviços que é bem informar, sem manipular a verdade. Da imprensa não esperamos que seja neutra, imparcial; basta que não imponha sua versão partidarizada com verdades pretensamente absolutas e pensamento único”, declarou.
Corrupção
Para Fátima, o que vemos hoje não é a defesa da ética na política e o sincero desejo de combate à corrupção, mas um discurso em que utiliza-se da moral para destruir o adversário, tratado como inimigo a ser eliminado da cena política. “O que sido feito é um discurso falso, porque não passa de uma indignação seletiva, onde escândalos com o mensalão mineiro que se arrasta na justiça desde 1998 e até mais recentemente a “operação sinal Fechado”, denúncias que envolvem figuras políticas do  Rio Grande do Norte, são simplesmente tratados como fatos menores e até mesmo aceitáveis aos olhos desses falsos moralistas”, pronunciou.
“Não compactuamos com a corrupção. Devemos sim combatê-la, pois a corrupção na política não se reduz ao desvio do dinheiro público. A corrupção, como apropriação privada do dinheiro público, corrompe a própria ideia de política. Resgatar a dignidade da política passa necessariamente pelo combate à corrupção. Mas não podemos ser ingênuos em achar que todo o problema da política se resolve com o combate à corrupção econômica”, completou.
Fátima defendeu ainda o papel da democracia brasileira. “Nós, representantes do povo, não temos o direito de nos omitir neste momento. Nosso papel, como representantes, não é simplesmente o de defender os mandatos que exercemos, de defender nossos partidos, de defender um governo de uma presidenta eleita através de um processo eleitoral transparente e legítimo. Nem se trata de defender apenas a Petrobras, mas de defender, acima de tudo a democracia. Defender a democracia é defender a soberania popular. E defender a soberania popular é defender a própria política contra seu desvirtuamento”, finalizou.
Leia abaixo a íntegra do discurso da senadora:
“Excelentíssimos senadores, excelentíssimas senadoras, excelentíssimo senhor presidente,
Hoje quero iniciar minha fala com a frase de uma das maiores figuras da política deste país, o grande Ulisses Guimarães: “Na política o povo é tudo ou é nada. Ou é personagem como cidadão ou é vítima como vassalo.”
Qual a mensagem de Ulisses Guimarães, traduzida nessa frase? A de que o protagonista da política na democracia é o povo, ou seja, de que o fundamento da democracia é o princípio da soberania popular.
Então, quero iniciar meu discurso trazendo uma necessária reflexão sobre o papel do Congresso nacional na democracia brasileira, convicta de que na democracia qualquer solução para os problemas deve passar necessariamente pela política. Afinal, sabemos que história pode nos dar vários exemplos de como todas as vezes que a política foi contornada o resultado foi a tragédia.
Mas o que estamos vendo atualmente é o ápice de um processo de desvirtuamento da política promovido pela mídia hegemônica deste país desde o primeiro mandato do ex-presidente Lula. Uma mídia que se porta como o maior e verdadeiro partido de oposição do Brasil. Uma mídia que quer ser protagonista do país, que quer pautar a política e decidir os rumos da nação. Mais do que isso: quer ser orientadora da política e o que há de pior nisso é o fato de que alguns políticos simplesmente conduzem o que ela quer.
Tomemos um exemplo concreto. Na semana passada o editorial do jornal O Globodesqualificou o manifesto em defesa da Petrobras, assinado por figuras da maior importância nas áreas da intelectualidade, artística, política, sindical, jurídica, enfim, um manifesto legítimo em defesa da maior empresa deste país e sobretudo da democracia. Desqualificou igualmente o ato que iria acontecer no mesmo dia na sede da Associação Brasileira de Imprensa, no Rio de Janeiro. O escopo do editorial, na verdade, não passava de uma defesa da mudança do regime de partilha do Pré-sal para o regime de concessão para empresas estrangeiras.
Então, senhores senadores e senhoras senadoras, temos de um lado, brasileiros e brasileiras defendendo nosso maior patrimônio, que é a Petrobras, e de outro, um jornal do maior grupo de mídia do Brasil defendendo a entrega de nosso passaporte para o futuro, para empresas estrangeiras.
Não nos enganemos. O referido editorial do jornal da família Marinho deixa muito claro, para os mais atentos, que o interesse maior está longe de ser o efetivo combate à corrupção, de punir os corruptos e os corruptores, mas sim destruir a imagem da Petrobras, desmonta-la a fim de mudar o regime de partilha que vai garantir educação de qualidade, salários mais dignos aos professores e perspectiva de futuro às crianças e aos jovens deste país. A mídia oposicionista e os políticos que a representam, uma vez que são por ela orientados, estão mais interessados em seguir pura e simplesmente a lógica e o interesse do mercado do que em defender o interesse nacional, que é o interesse do povo brasileiro. Pior do que isso: defender interesses estrangeiros em detrimento do povo brasileiro. Como disse o jornalista Luiz Nassif em seu blog, “A geopolítica do petróleo não é uma mera teoria da conspiração: é um dado da realidade, por trás dos grandes movimentos políticos do século, especialmente em países que definiram modelos autônomos de exploração do petróleo. E as mídias nacionais sempre tiveram papel relevante, não propriamente por convicções liberais e internacionalistas”.
Senhoras senadoras e senhores senadores, é fato que as elites deste país jamais aceitaram na condução do Brasil um ex-metalúrgico, como não aceitam uma mulher na presidência do país. As elites deste país nunca aceitaram e nunca aceitarão um governo trabalhista. Daí que o discurso moralista exaustivamente utilizado para tirar do poder Getúlio Vargas e João Goulart segue nos mesmos moldes.
O que vemos hoje não é a defesa da ética na política e o sincero desejo de combate à corrupção, mas um discurso em que utiliza-se da moral para destruir o adversário, tratado como inimigo a ser eliminado da cena política. Um discurso falso, porque não passa de uma indignação seletiva, onde escândalos com o mensalão mineiro que se arrasta na justiça desde 1998 e até mais recentemente a “operação sinal Fechado”, denúncias que envolvem figuras políticas do meu Estado, são simplesmente tratados como fatos menores e até mesmo aceitáveis aos olhos desses falsos moralistas. Assim agem alguns colunistas e órgãos da mídia oposicionista e seus aliados políticos. Quem não se lembra da capa de certa revista que tem obsessão em destruir o PT, na qual figurava o ex-senador Demóstenes Torres como um dos “mosqueteiros da ética”?
Certos colunistas não têm sequer a honestidade intelectual de admitir que a corrupção, por se dar nos subterrâneos da política, só aparece quando investigada.
Ao contrário de governos em que se engavetava os processos de corrupção, fazendo com que o povo acreditasse que desvios do dinheiro público não existiam, e se existiam não eram significativos, nunca a corrupção esteve tão em evidência como a partir dos governos Lula e Dilma, exatamente porque nunca se investigou tanto neste país. Porém, o que a mídia oposicionista trata do tema da corrupção como se esta tivesse sido inaugurada no país a partir dos governos do PT.
A imprensa livre é fundamental à democracia, a quem tem o dever de prestar o maior dos serviços que é bem informar, sem manipular a verdade. Da imprensa não esperamos que seja neutra, imparcial; basta que não imponha sua versão partidarizada com verdades pretensamente absolutas e pensamento único. É neste sentido que falei no início do meu discurso que o que estamos vendo atualmente é o ápice de um processo de desvirtuamento da política.
Desvirtuar a política é desmerecê-la, trata-la como atividade sob eterna suspeita. Isso não significa que a política não deva estar sob o julgamento e escrutínio dos cidadãos e que a classe política não tenha que prestar conta dos seus atos. Isso é respeitar a cidadania, que nos investiu do poder de representa-la. Quando somos eleitos pelo voto para representar o poder do povo não recebemos um cheque em branco, mas a autorização para agir em seu nome.
O que quero dizer quando afirmo que a chamada grande mídia no Brasil de hoje trata da política como atividade sob suspeita é no sentido de que essa mídia, ao invés de denunciar o que ocorre de errado, ou mesmo de ilícito, desempenhando seu papel de informar e formar uma opinião pública qualificada, simplesmente deforma mentes e corações, promovendo o ódio e uma profunda divisão numa sociedade que já é hierarquizada e carece de laços sociais, necessários para o apoio a políticas de estado e de governo voltadas para a redução da desigualdade e promoção de oportunidades para todos os brasileiros, principalmente os mais pobres. 
O que desejam os que hoje fazem o discurso contra a corrupção praticada por funcionários da Petrobras? Usar esse fato evidente e que está sendo devidamente investigado, como pretexto para defender a mudança do sistema de partilha para o sistema de concessões, bem como desgastar a imagem da presidenta Dilma a ponto de tentar criar condições sociais para um pedido de impeachment. Ora, senhores, sabemos que o impeachment é um julgamento político, não jurídico. Todavia, há que ter base jurídica para tanto. E esta, como sabemos, não existe. 
Cito aqui o trecho de uma entrevista com o renomado jurista Lenio Streck, ex-procurador de Justiça e professor titular de Direito Constitucional da Unisinos:  Não é proibido falar de impeachment, está na Constituição. Se tem fundamentos, é outra história. Há uma questão aí que é chave: impeachment é um processo político. Entretanto, não quer dizer que ele não precisa do jurídico. Essa é a grande confusão que as pessoas estão fazendo. Por isso que a Constituição é sábia: embora sejam necessários dois terços da Câmara para o impeachment, é preciso um argumento jurídico forte. Esse argumento jurídico não pode ser inventado. Sem argumento jurídico não tem impeachment. É necessário que haja provas de que houve crime de responsabilidade ou improbidade, e para isso tem que provar o dolo (intenção de cometer o crime). Não basta dizer simplesmente que o presidente foi omisso. Tem de haver provas. Senão, sempre que a oposição somasse dois terços, poderia derrubar um governante. Esse foi o caso do Paraguai, onde o impeachment foi indevido. Foi um golpe.”
O citado jurista contesta o parecer do tributarista Ives Gandra Martins, que afirmava haver base legal para um pedido de impeachment da presidenta Dilma. Segundo Streck, “Não basta simplesmente dizer que a lei 1.079, que fala do crime de responsabilidade, está presente. Tem que dizer: em que momento, em que circunstância. Neste momento não existe nada concreto. Não há nenhum elemento objetivo para o impeachment.” Além disso, como foi amplamente divulgado pela mídia, juristas afirmaram que o referido parecer pecou, sobretudo,  pela afirmação de uma suposta base legal para impeachment  fundada na culpa. Ora, como diz Leni Streck, “Há um ponto chave: a lei de improbidade administrativa exige dolo, isto é, intenção manifesta de fazer tal coisa. Não admite culpa".
Não obstante a opinião de tantos outros juristas contra o parecer de Ives Gandra, a “defesa do impeachment da presidenta Dilma” é o mote de manifestações que partidos de oposição, auxiliados por essa mesma mídia, estão organizando para o dia 15 de março. Sem base jurídica e, consequentemente política, manifestações estão sendo organizadas em todo o país a fim de criar um clima de aparência de condições sociais para o impedimento da presidenta. Onde fica a responsabilidade dos que apoiam um impeachment sem base legal e jurídica? O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso disse, segundo a imprensa, que o PSDB apoia a manifestação do dia 15 de março, mas não defende o “Fora Dilma”. Ora, senhores senadores e senhoras senadoras, o ex-presidente defende as manifestações em defesa do impeachment sem defender o “Fora Dilma”? Como se isso fosse possível. Não querem passar por golpistas, então apoiam  uma manifestação que defende o impedimento da presidenta. É o mesmo que querer entrar na chuva sem se molhar. A quem querem enganar?
Senhoras e senhores senadores, nada mais sombrio do que pretender solapar o poder de uma presidenta legitimamente eleita. Tempos sombrios em que a política deixa de ser avaliada por critérios políticos para ser julgada por critérios pretensamente morais.
Ora, a política deve ser orientada pela moralidade pública, mas isso não significa que a política seja reduzida à moral. Isso nada tem a ver com a ética na política nem com a ética da política, que é a ética da responsabilidade com a coisa pública.  A moral é do âmbito do bem e do mal. Por isso o discurso da moral é paralisante, intimidador, discriminatório e muitas vezes carregado de violência simbólica. A política reduzida à moral resvala para o moralismo, porque este é seletivo, porque tem a pretensão de definir quem são os “bons e os maus”, para posteriormente criminalizar quem são os escolhidos para serem os “maus”.
O que quero dizer aqui, neste momento, é que não compactuamos com a corrupção. Devemos sim combatê-la, pois a corrupção na política não se reduz ao desvio do dinheiro público. A corrupção, como apropriação privada do dinheiro público, corrompe a própria ideia de política. Resgatar a dignidade da política passa necessariamente pelo combate à corrupção. Mas não podemos ser ingênuos em achar que todo o problema da política se resolve com o combate à corrupção econômica. 
Por fim, Senhor Presidente, Senhoras Senadoras e Senhores Senadores, a nós parlamentares está reservado o papel de implementarmos uma das mais importantes ferramentas de combate à corrupção no país e defesa da democracia representativa: a reforma política. Não a reforma proposta na PEC 352 que objetiva apenas constitucionalizar o financiamento empresarial de campanhas e partidos, principal fonte da corrupção, entre outros retrocessos.  Defendemos uma Reforma Política profunda, capaz de enfrentar privilégios e distorções da democracia, inclusive com a convocação de uma Constituinte Exclusiva e Soberana do Sistema Político.
Nós, representantes do povo, não temos o direito de nos omitir neste momento. Nosso papel, como representantes, não é simplesmente o de defender os mandatos que exercemos, de defender nossos partidos, de defender um governo de uma presidenta eleita através de um processo eleitoral transparente e legítimo. Nem se trata de defender apenas a Petrobras, mas de defender, acima de tudo a democracia.
Defender a democracia é defender a soberania popular. E defender a soberania popular é defender a própria política contra seu desvirtuamento.  Aqui volto a citar a frase de Ulisses Guimarães, “Na política o povo é tudo ou é nada. Ou é personagem como cidadão ou é vítima como vassalo".
Cabe a nós a escolha entre sermos representantes do povo como cidadão ou desempenharmos o papel de vassalos dos interesses que querem que o povo seja mais uma vez a vítima da história”.

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