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Maria José dos Anjos Alves, de 18 anos, afirma ter trabalhado durante quase dois anos em uma residência da cidade de Riachuelo, como empregada doméstica, limpando a casa, cuidando dos filhos da patroa, de 6h às 18h, de domingo a domingo, sem férias, sem feriados e recebendo apenas R$ 200 por mês. Hoje fora do emprego, ela pretende ingressar na Justiça cobrando seus direitos. E, se depender das novas regras que o país pode aprovar em relação aos empregados domésticos, esses direitos serão cada vez mais amplos.
adriano abreuMaria José dos Anjos trabalhou dois anos, sem carteira assinada, e recebendo R$ 200 por mês
A Organização Internacional do Trabalho (OIT) aprovou em junho uma proposta para que os empregados domésticos passem a ter os mesmos direitos dos demais trabalhadores. O Brasil deverá ratificar essa convenção, adotando as regras estipuladas. As principais mudanças incluem a obrigatoriedade de pagamento de FGTS (atualmente opcional), além da jornada máxima de trabalho de 44 horas semanais, com pagamento de horas-extras pelo tempo excedido, e ainda o adicional noturno.
O temor é que a adoção dos novos direitos venham a reduzir o mercado para os empregados domésticos e até mesmo estimular a informalidade, levando em conta que atualmente apenas 20% dos que trabalham no Rio Grande do Norte possuem carteira assinada. "Agora não vou mais me submeter a trabalhar da forma como trabalhei esse tempo, não. Agora só com os meus direitos", aponta Maria José dos Anjos.
Situações como a dela não são exceção. "Chega de tudo a nosso conhecimento. O trabalho não é 'quase' escravo, é escravo mesmo. E é assim porque os trabalhadores têm medo de vir ao sindicato, ou procurar a Justiça", lamenta o diretor financeiro do Sindicato dos Empregados Domésticos do Rio Grande do Norte, Israel Pereira. Ele acredita que possa haver uma reclamação inicial devido aos custos com as novas regras, mas não teme redução no mercado de trabalho.
A opinião não é a mesma da funcionária pública Elizabeth Cunha de Carvalho, que paga todos os direitos atualmente previstos em lei à empregada, Maria José Ferreira. A dona de casa acha que muitos patrões podem terminar por abrir mão de assinar a carteira dos empregados, ou até mesmo deixar de contar com trabalhadores em tempo integral. "Ouço muitas colegas falarem que preferem ficar com diaristas."
Ela entende que os encargos podem se tornar muito "pesados" para quem contrata e será necessário o governo compensar parte dos custos extras, para incentivar a adoção de todas as regras previstas na convenção da OIT. "Acho ótimo que todos os empregados tenham direitos, mas realmente deve ficar mais pesado para quem paga e nem todo mundo tem uma condição financeira boa o suficiente pra assumir esses custos", reconhece.
Israel Pereira entende, no entanto, que a mudança nas regras não deve preocupar a categoria, já que os empregados domésticos passarão a ter um instrumento importante, inclusive, para se unirem. "O direito à liberdade de associação e à negociação coletiva, também previstas pela OIT, vão nos fortalecer." Ele lamenta que hoje muitos patrões "dêem com uma mão e tirem com outra", usando pequenos benefícios e favores como desculpa para pagar salários reduzidos. "Isso não pode ser admitido, por isso essa avanço é bem-vindo."
Fiscalização ainda é ineficiente
O procurador do Trabalho Rosivaldo da Cunha Oliveira acredita que um dos principais avanços que podem ser garantidos pela adesão do Brasil à convenção da OIT é a possibilidade de fiscalizar melhor as condições de trabalho dos empregados domésticos. Hoje, os órgãos responsáveis por essa tarefa têm sua atuação limitada e muitas vezes desconhecem as situações desumanas às quais esses profissionais são submetidos.
O representante do Ministério Público do Trabalho destacou que atualmente o acesso da fiscalização às residências é impedida, devido ao preceito da inviolabilidade do lar. "A questão dos empregados domésticos é algo que nos preocupa, pois muitas vezes eles trabalham em jornadas bastante extensas, sem carteira assinada, e acabam tendo de dormir e permanecer em instalações inadequadas."
Para verificar a existência desses problemas será preciso "adentrar no ambiente residencial" e, segundo o procurador, a convenção da OIT prevê a criação de mecanismos que garantam esse tipo de fiscalização. "Por isso considero muito importante o Brasil respeitar essa convenção que assegura aos trabalhadores domésticos os mesmos benefícios dos demais. Até porque trabalhador doméstico não é menos do que ninguém", enfatizou.
O procurador admite que possa haver algumas reclamações iniciais, por parte dos patrões, mas lembra que a conquista de direitos é um avanço histórico e não pode ser negada a nenhuma categoria. Além disso, Rosivaldo Cunha destaca que os empregadores também poderão cobrar de seus empregados o cumprimento integral dos horários de serviço, dentro dos limites da nova jornada.
"A sociedade há se adequar (às novas exigências), até porque cumprir com os direitos dos trabalhadores é uma das responsabilidades do patrão", observa o procurador. Ele ressalta que nem mesmo um argumento comum dos contratantes, o de garantir ao empregado o acesso à educação, pode ser usado como desculpa para não se respeitar os demais direitos.
No caso de trabalhadores entre 16 e 18 anos, garantir as condições para que eles estudem é uma das obrigações do empregador. "E a cada dia o empregado doméstico precisa ser melhor qualificado, mais preparado. Sendo assim, nada mais justo do que lhe assegurar os mesmos direitos dos demais trabalhadores", conclui o procurador.
Proposta precisa ser aprovada na Câmara
O Brasil votou a favor da recomendação da OIT, mas esta ainda precisa ser aprovada pelo Congresso Nacional para passar a ter força de lei no país. O ministro do Trabalho, Carlos Lupi, já declarou que o governo federal, quando receber o texto final da convenção, pretende preparar uma proposta e enviar ao Legislativo, até o final do ano, equiparando os direitos de empregados domésticos aos dos demais trabalhadores formais, incluindo benefícios como o FGTS, seguro-desemprego e abono salarial.
Ele revelou que a proposta deve prever formas de estimular os empregadores a formalizar a relação de emprego com os trabalhadores domésticos e admitiu até mesmo a cobrança de um percentual menor do FGTS, além de benefícios no Imposto de Renda. A atual regra que permite ao patrão deduzir do IR o valor pago de INSS pelo empregado doméstico só vigora até este ano.
Diaristas não possuem os mesmos direitos
Uma modalidade diferente do trabalho doméstico, a dos diaristas, não contempla nem mesmo os direitos já garantidos aos demais. Decisões do Tribunal Superior do Trabalho (TST) têm negado a existência de "relação de emprego", quando solicitada por pessoas que prestam serviços em dias descontínuos, mesmo quando se trabalha há anos em uma mesma residência.
Os diaristas são quase 30% dos trabalhadores domésticos e só têm direito ao pagamento acertado previamente com o contratante. Se quiser ter acesso aos benefícios do INSS, terá de pagar como autônomo, já que não possui relação de emprego com o patrão. De acordo com a legislação, isso só ocorreria se o serviço prestado fosse "de natureza contínua", por isso muitos magistrados têm se negado a aceitar o trabalho em dias alternados como emprego doméstico.
Há ainda divergências na jurisprudência sobre até quantos dias, por semana, poderiam ser trabalhados para um determinado contratante, sem caracterizar a relação de emprego, porém a maioria das decisões têm variado entre três e quatro. O trabalho em determinada residência de um a dois dias por semana, é normalmente aceito como de diarista; a partir de cinco é comumente admitido como emprego; já entre esses dois patamares, a classificação geralmente varia conforme o magistrado.
Bate-papo: Antonino Pio Cavalcanti de Albuquerque » advogado e professor de Direito do Trabalho
Há uma demanda grande de ações trabalhistas envolvendo empregados domésticos?
Sim, um volume bastante razoável de empregados domésticos vai para a Justiça pleitear seus direitos, porque é comum, por exemplo, receberem salários abaixo do mínimo. E o salário mínimo já é uma garantia de qualquer empregado. Tem ainda casos de trabalhadores que passaram 10, 15 anos em uma casa e nunca tiraram férias, nunca tiveram direito ao décimo terceiro. E quando você vai para o interior, aumenta muito essa demanda.
O pagamento de INSS é obrigatório?
Sim, obrigatório. Todo empregado doméstico deve ter sua carteira de trabalho assinada e o recolhimento ao INSS, sendo 12% por parte do empregador e 8% descontado do salário do empregado, além de décimo terceiro, férias e os outros direitos.
Geralmente, qual a alegação dos empregadores para não cumprir as regras?
A maioria é de que não tem condições de pagar um salário mais alto e aí acaba negociando com o empregado. Este, na necessidade do dinheiro, acaba aceitando as condições oferecidas.
Uma das principais mudanças que pode ocorrer é em relação às horas extras?
Sim, porque hoje a empregada doméstica não tem regulamentação de jornada, então consequentemente não tem o direito à hora extra. Essa mudança que pode vir da convenção da OIT, através do Congresso Nacional, vai regulamentar a jornada em 44 horas semanais. Hoje não há nada que limite a jornada. É comum a empregada chegar para fazer o café da manhã e sair depois de lavar a louça do jantar. Isso ainda está legal, porque não existe regulamentação da jornada.
E o FGTS?
Hoje é facultativo. O empregador é quem opta. Agora, uma vez optando por pagar, ele não pode depois passar a não pagar.
No geral, é um avanço esses novos direitos?
É um avanço em termos de direitos para os empregados, mas tenho receio em relação às mudanças que podem trazer, sobretudo na limitação da jornada. Há possibilidade de demissão de empregados, porque o custo vai aumentar, ou então de crescimento do informalismo. Pode ocorrer muito o acerto entre o empregado e o empregador, com negociação que não inclua assinatura da carteira, devido ao aumento de encargos. Querendo ou não, o empregado doméstico não gera lucros para o empregador, até porque uma das características desse emprego é o trabalho em atividades não lucrativas, e isso talvez gere demissões.
Há dificuldades para a empregada doméstica provar na Justiça uma situação de desrespeito a seus direitos?
Há uma grande dificuldade em relação à prova. Muitas vezes o contrato de trabalho é informal, não existe documentação, e aí a gente passa para a prova testemunhal. Como a vivência da empregada é muito dentro do domicílio, então não tem, muitas vezes, um colega de trabalho para testemunhar a seu favor. Mesmo quando regulamentar as 44 horas, vai ser um problema comprovar que se ultrapassa. Nem mesmo um cartão de ponto é garantia que representa a realidade.
LEGISLAÇÃO
Direitos atuais dos empregados domésticos:
carteira de trabalho
salário mínimo;
recolhimento de INSS - De 8% a 11% do salário é descontado do empregado e repassado ao INSS. Outros 12% devem ser acrescentados ao repasse, à custa do empregador
férias - anuais, de 30 dias, com direito ao acréscimo do terço de férias no salário;
repouso semanal - um dia por semana, preferencialmente aos domingos;
FGTS - é opcional, equivale a 8% do salário, mas uma vez que o empregador pague, não poderá deixar de pagar enquanto a relação de trabalho se mantiver;
Feriados - direito a folgas nos feriados, caso contrário o empregador deve pagar o dia em dobro ou conceder uma folga compensatória;
13º salário - concedido anualmente, em duas parcelas de 50%, a primeira entre fevereiro e novembro, e a segunda até 20 de dezembro;
vale-transporte - devido quando da utilização de meios de transporte coletivo para deslocamento residência/trabalho e vice-versa.
Alguns direitos acrescidos pela recomendação da OIT:
jornada de trabalho - atualmente é definida de comum acordo entre patrão e empregado. Passaria a respeitar o limite de 44 horas semanais;
horas extras - não são pagas hoje, devido à não existência de uma jornada máxima, mas passariam a ser obrigatórias com a adoção do limite de 44 horas semanais
adicional noturno - passaria a ser pago pelo trabalho realizado das 22h às 5h;
FGTS - o recolhimento, equivalente a 8% e de responsabilidade do empregador, passaria a ser obrigatório, inclusive com a multa de 40%, em caso de demissão sem justa causa.
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