
A onda de protestos que estourou nas principais cidades do país ganhou um reforço de peso aqui em Natal. Com o registro da Empresa de Pesquisa Agropecuária do Rio Grande do Norte (Emparn) na casa dos 124 milímetros, nas últimas 24 horas, a chuva que caiu na madrugada e manhã desta terça-feira (2) deixou população e poder público em alerta. Em todas as zonas, o que se viu foi a falta de estrutura urbana em uma cidade que abrigará quatro jogos da Copa do Mundo, daqui a menos de um ano. Se a Defesa Civil do Município recebeu apenas 15 pedidos de ajuda, para quem vive em locais periféricos ou bairros de classe média a força da mãe natureza foi sentida sem muito esforço. Um dos emblemas estava no cruzamento da avenida Interventor Mário Câmara e a rua Pastor José Menezes, no bairro Nazaré. Pneus queimados, asfalto quebrado e pessoas que há mais de 30 anos enfrentam excessos pluviométricos como podem. “Entra prefeito, sai prefeito e aqui sempre foi assim. Não pode haver uma chuva mais forte que a água entra na casa das pessoas. Muitos aqui já perderam móveis, eletrodomésticos”, grita Júnior Lima, em meio a indignação de vizinhos.
Segundo ele, a obra do túnel de drenagem da Arena das Dunas, que percorrerá 4,5 km, em sua primeira etapa, para levar as águas das lagoas do Centro Administrativo até o Rio Potengi, orçada em mais de R$ 220 milhões, deixou a rua em que reside de fora, mesmo localizada há menos de 50 metros. “Isso é um absurdo. Já procuramos a Prefeitura várias vezes, por anos e anos, e agora sabemos que eles farão uma obra aqui ao lado, mas que não seremos beneficiados. São decisões tomadas em gabinetes, sem conversa com a população. Por isso nosso protesto”. A fumaça tóxica exalada dos pneus queimados podia ser vista de longe, enquanto uma lagoa acumulada após a chuva invadia calçadas e isolava pequenos comércios. Situação parecida com a enfrentada na rua Dr. José Gonçalves, em Lagoa Nova – logradouro paralelo à avenida Senador Salgado Filho, próximo ao Supermercado Nordestão. Dona da filial da Água Cristalina, Adriana Cunha observa a ironia entre o produto que vende e o correlato que cai do céu. “Em 2009, tivemos um prejuízo grande. A água entrou em todo o galpão e perdemos mercadorias, birôs, computadores. Hoje a coisa está ruim também. Tivemos que escalar a grade do vizinho para conseguirmos entrar na loja”.
As perdas de Adriana com as chuvas desta terça-feira chegam a R$ 10 mil. “Tinha entrega para fazer em motéis, hotéis e restaurantes, mas não tive como sair daqui. Estou com cinco caminhões parados e tive que colocar o material no alto para evitar perdê-los”. Um pouco adiante, um carro submerso servia de símbolo para uma confluência de ruas que formam uma baixa conhecida por acumular uma grande quantidade de água, no período chuvoso. “De que adianta procurar a Prefeitura? Meu pai já fez isso várias vezes, mas nunca resolvem nada. Esse carro está aí porque, provavelmente, o motorista não sabia o tamanho da profundidade da rua. Ele deve ter achado que era possível passar e ficou no prego”. Segundo curiosos, o carro parou às cinco da manhã. “Naquele mesmo local, acho que foi há dois anos, uma mulher entrou em desespero quando ficou com o carro coberto de água. Ela estava com uma criança dentro e meus funcionários que foram ajudá-la. Ela achava que ia morrer”. No mesmo centro comercial que abriga empresas da mesma família, funcionários passaram a manhã ilhados no ócio. Assim como trabalhadores da avenida Capitão-Mor Gouveia, em Dix-Sept Rosado.
Um dos endereços beneficiados pela obra de drenagem da Arena das Dunas foi isolado para o trafego de veículos. Somente aventureiros que ignoraram perigos sanitários caminharam com a água na cintura, na busca por seus destinos. A passadeira Antonia Maria Costa Bezerra foi liberada do trabalho em uma lavanderia por falta de clientes e para antecipar o deslocamento para sua residência na Vila de Ponta Negra. “Não tem condições de trabalhar. Ninguém consegue chegar na lavanderia. A água aqui [avenida Capitão-Mor Gouveia] subiu muito rápido. Acho que em menos de 30 minutos. Minha patroa me mandou ir para casa”. A tubulação construída para ‘secar’ a área onde se governa o Rio Grande do Norte e sediará o torneio máximo do futebol mundial terá diâmetro de 2,20 a 3,00m e passará pela avenida Jerônimo Câmara até chegar a avenida Interventor Mário Câmara, cuja bifurcação para a Lagoa de São Conrado e para as lagoas da Cidade da Esperança estenderá o percurso até a Rua dos Caicós, rua Miguel Castro para, enfim, rumar para o Rio Potengi. Em todo percurso, a promessa é de extinção de problemas com alagamentos.
Alagamentos esses que também fazem parte do cotidiano dos moradores da Cidade da Esperança, sobretudo daqueles lotados entre a rua dos Palmares e a avenida Rio Grande do Norte. Ali existe uma lagoa de captação da Companhia de Águas e Esgotos do Estado (Caern) que consegue sustentar o volume das chuvas, mas a falta de drenagem e o entupimento das bocas de lobo com lixo jogado pela própria população transformaram o espaço em uma grande e transbordante ‘cisterna’. “Tinha cinco anos que a água não entrava na casa das pessoas porque não choveu. Foi só cair a primeira chuva forte que vemos isso aí. Tem gente que perdeu móveis que ainda estava pagando a prestação. Na Lagoa tem duas bombas para puxar a água, mas uma está queimada”, diz Marília Laurentino, cidadã que há 32 anos reivindica o básico do poder público. “Queremos apenas poder ficar em casa sem medo. Já existe a violência, que aqui ninguém segura mais. Agora vem a chuva para destruir o pouco que muita gente tem aqui”.
Enquanto o tom das reclamações aumenta em cada bairro, a Secretaria Municipal de Segurança Pública e Defesa Social dispôs de uma nova equipe para a Defesa Civil. Coordenadas pelo Cabo Jeoás Santos, as duas viaturas e dez técnicos atenderam de imediato aos chamados através dos telefones 190 e 199. Casos de alagamentos, transbordamento de lagoas, inundação de casas e desabamentos foram notificados. Na Comunidade do Jacó, entre a Ribeira e as Rocas, uma família de recusou a sair da residência, ainda que o risco de queda seja iminente. “Temos uma equipe 24 horas disponível à população, que precisa ajudar nessas horas, com denúncias e mesmo no trabalho de convencimento para essas pessoas em áreas de risco saírem antes que aconteça uma tragédia”. De acordo com o Cabo Jeoás, 74 pontos preocupantes foram detectados pela Secretaria Municipal do Meio Ambiente e Urbanismo (Semurb). Por sua vez, a Central de Operações do Corpo de Bombeiros Militar do Rio Grande do Norte aguarda por chamados da Defesa Civil, caso esta enfrente dificuldades para atuar em alguma ocorrência.
jornaldehoje.com.br
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