Estados vão usar modelo dos EUA

Agentes da polícia ambiental do Espírito Santo percorrem um trecho do Rio Doce no município de Colatina, atingido pela lama
Belo Horizonte (AE) - Os governos de Minas Gerais e do Espírito Santo se articulam para entrar com ação conjunta na Justiça contra a mineradora Samarco, controlada pela Vale e pela anglo-australiana BHP Billinton, por causa dos danos causados pelo rompimento da barragem Fundão, que destruiu Bento Rodrigues, em Mariana. A expectativa é que o governo federal também entre como autor da ação. Uma reunião com a Advocacia-Geral da União (AGU) foi marcada para terça-feira (24), em Brasília. Segundo o governador do Espírito Santo, Paulo Hartung (PMDB), desastres ambientais no mundo já mostraram que a saída em casos assim é a ação conjunta. O modelo que está sendo levado em consideração é o que foi adotado por Estados, cidades e o governo americano, que unificaram procedimentos jurídicos contra a British Oil, por causa do derramamento de petróleo no Golfo do México, em 2010.

A empresa foi condenada a pagar US$ 20,7 bilhões de indenização ao governo dos Estados Unidos e a cinco Estados - Louisiana, Mississippi, Alabama, Texas e Flórida - pelo desastre ambiental que deixou 11 mortos. "Vamos ampliar a coordenação entre os governos e nossas procuradorias, para que haja maior convergência no campo jurídico", afirmou Hartung, ontem, após reunião com o governador de Minas, Fernando Pimentel (PT), em Belo Horizonte. 

Pimentel não falou após o encontro. Em nota, afirmou apenas ser importante "o permanente diálogo entre os governos para os trabalhos de indenização e recuperação dos danos ambientais, sociais e humanos causados pelo rompimento da barragem" em Mariana.
O objetivo de entrar com ação unificada contra a empresa, conforme o secretário de Meio Ambiente de Minas Gerais, Sávio Souza Cruz, é evitar que o procedimento jurídico seja fragilizado. "Se os Estados e municípios acionam isoladamente a empresa, o risco de petições conflitantes é grande, o que pode acabar fortalecendo a mineradora", explicou Cruz. Na quinta-feira, o governador de Minas já havia se reunido com prefeitos de municípios da Bacia do Rio Doce, também para articular que participem da ação única contra a mineradora.

O desastre ambiental em Mariana, considerado o maior já ocorrido no Brasil, deixou, até agora, sete mortos. Quatro corpos ainda não foram identificados e 12 pessoas, entre moradores e empregados da Samarco, estão desaparecidas. A lama que vazou com a queda da barragem, depois de destruir Bento Rodrigues, atingiu o Rio Doce via afluentes, chegado ao Espírito Santo. No caminho, os rejeitos de minério de ferro arrasaram fauna, flora e deixaram moradores de cidades ribeirinhas sem água. Hidrelétricas, como a de Candonga, no município de Rio Doce, tiveram o funcionamento suspenso.

O encontro entre os governadores teve também a participação do fotógrafo Sebastião Salgado, fundador do Instituto Terra, com sede em Aimorés, leste de Minas, na divisa com o Espírito Santo. Salgado propôs a criação de um fundo para ser usado na recuperação do meio ambiente. "As autoridades vão agora trabalhar na criação do fundo", disse o fotógrafo, para quem a criação do mecanismo de financiamento tem de ser feita "imediatamente".

Na quinta-feira, dia 26, vence o prazo fechado entre o Ministério Público Estadual (MPE-MG), o Ministério Público Federal (MPF) e a Samarco para depósito de R$ 500 milhões - de um total de R$ 1 bilhão - prometidos pela empresa para o pagamento de indenizações a vítimas e para a recuperação ambiental das áreas atingidas pela onda de rejeitos de minério de ferro.  dinheiro deve ser depositado em uma conta-corrente, a ser administrada pela mineradora, sob supervisão de promotores e procuradores. O restante será repassado em carta-fiança até 16 de dezembro.

Acidente, 14 anos atrás, ainda deixa marcas
Belo Horizonte (AE) - "Pai, o mundo tá acabando!." "Não, filho. É a barragem que estourou." O diálogo tem mais de 14 anos, mas é bem vivo na família do comerciante João Gabriel Rodrigues, de 74 anos, dos quais 60 como morador de São Sebastião das Águas Claras, distrito de Nova Lima, a 20 km de Belo Horizonte. Em 22 de junho de 2001, uma barragem de rejeitos de minério de ferro da empresa Rio Verde ruiu. A lama desceu por uma encosta matando cinco empregados da companhia. Uma área de 80 hectares de Mata Atlântica foi devastada. O Ribeirão Taquaras, que corta a região, também conhecida como Macacos, se transformou em um curso de barro espesso.

Duas semanas depois do estouro da barragem da Samarco em Bento Rodrigues, Mariana, os relatos de moradores de São Sebastião das Águas Claras sobre o que aconteceu, como era a região e como é hoje são prova que, mesmo com possíveis investimentos, a recuperação ambiental é lenta e muita coisa pode não voltar ao normal.

Ao contrário do que aconteceu em Mariana, a lama em São Sebastião das Águas Claras não encontrou um vilarejo pela frente Do alto de um morro é possível ver até hoje um descampado na encosta, que parece uma língua cor de caramelo, destoando da mata logo abaixo que, pelo verde exuberante, dá a impressão de que está tudo de volta ao normal. A prova do contrário corre no meio dessa mata, o Ribeirão Taquaras.

Ele passa perto do bar que João Gabriel mantém com a família na região há 28 anos. "Você acha que era assim? Isso aí é um filete de água. Antes, era quase um rio, tinha bagre e lambari. Hoje, não há mais peixe nele", afirma o comerciante.

A região é muito frequentada por motoqueiros e ciclistas de trilhas. O empresário Carlos Eduardo Faria, de 50 anos, há 20 anda de bicicleta em São Sebastião. Relata que hoje, diferentemente de 15 anos atrás, o terreno da região é mole. "É fácil perceber isso. É entrar e atolar", afirma.

O secretário de Meio Ambiente de Nova Lima, Roberto Messias, diz que a Rio Verde, empresa que hoje pertence à Vale, cumpriu as determinações pós-tragédia de recuperar a estrada que liga a BR-040 a São Sebastião das Águas Claras, que à época ficou sem condições de tráfego, e que construiu outra barragem dentro dos padrões. Afirmou ainda que, ao menos visualmente, a flora vai se recuperando. "Não dá para dizer que está completamente recuperado. O que sabemos é que a vegetação vem aumentando e pequenos mamíferos estão voltando", afirma Messias. Quanto ao Ribeirão Taquaras, o secretário diz que houve necessidade de desassoreamento do curso d’água em alguns pontos.

O acompanhamento das ações de recuperação é da Secretaria de Estado de Meio Ambiente. Segundo a pasta, depois do acidente foi determinado que a empresa rebaixasse a superfície interna da barragem, como medida temporária, até a implementação de projeto de estabilização, além medidas para recuperação do Taquaras. Ainda conforme a secretaria, foi feito reflorestamento das áreas afetadas com espécies nativas.

João Gabriel afirma que recebeu R$ 12 mil da empresa. O bar da família ficou 15 dias parado. Já a família de Wellington Augusto Santos, de 42 anos, que hoje trabalha como vigia de motos na região, não recebeu nada. "Tínhamos um bar. Com a tragédia, ficamos muito tempo parados e, depois, não conseguimos retomar a atividade. Não estávamos com a documentação do terreno em dia e, por isso, não fomos indenizados."

Os responsáveis pelo projeto da barragem foram condenados a oito anos e oito meses de prisão, em regime fechado, e obrigados a pagar multa de R$ 7 mil. A decisão, em primeira instância, foi por crimes contra flora e fauna terrestre e aquática e contra unidade de preservação. A empresa foi obrigada a prestar serviços à comunidade e pagar multa no mesmo valor da aplicada aos engenheiros. A reportagem não conseguiu contato com a Rio Verde. A Vale afirma que, apesar de ter comprado a empresa, todas os desdobramentos da tragédia em São Sebastião das Águas Claras ficaram sob a responsabilidade da administração anterior.

da TN

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