As penas voam no ninho tucano por causa da autocrítica que, sem dar nome aos bois, referiu-se à frouxidão moral de alguns moralistas do partido e ao conluio fisiológico com o “presidencialismo de cooptação”. Mas é a fascistização do partido, pela ação arrivista e o discurso odioso de João Doria, que ameaça devorar o PSDB e despojá-la do que ainda lhe resta de suas raízes democráticas. Se não quiserem ver a sigla transformada em aparelho da extrema-direita que Doria quer encarnar, FHC, Tasso Jereissati e outros fundadores devem enfrentar agora a tarefa de resgatá-la. Mais tarde será tarde.
Circulando pelo país como pré-candidato presidencial do PSDB, ninguém jamais ouviu de Doria uma proposta, um esboço de programa para tirar o país deste atoleiro para o qual foi arrastado pelo golpe e pelo governo desastroso de Temer. Como todos os fascistas, Doria é movido pela crença na força de sua individualidade e trata a política como uma guerra civil, não como campo do diálogo e da cooperação em busca do bem para todos. Se a política é guerra, o adversário tem que ser tratado como inimigo e tem que ser eliminado. Isso ele diz todos os dias sobre Lula, mas seria da mesma forma grave se fosse contra outro político do campo democrático. Sua ação política limita-se a espalhar o discurso do ódio a Lula e ao PT, dizendo coisas como “Dilma é uma anta”, ou “Lula, você, além de sem vergonha, é preguiçoso, corrupto e covarde”.
Doria está se esforçando para ser mais agressivo, mais truculento, mais bossal e mais odiento que Bolsonaro para viabilizar-se como candidato agregador das forças de extrema-direita que levaram o ex-militar ao segundo lugar nas pesquisas para a eleição presidencial. A charge de Aroeira (aqui) sintetizou com esmero esta emulação. Se o PSDB permitir que ele seja candidato, terá contribuído para aprofundar a cisão entre os que buscam a volta à normalidade democrática e os que desejam a convulsão. E o PSDB, o que ganhará com isso além de uma triste mortalha?
Quando o PSDB surgiu de uma costela do PMDB, contra o fisiologismo e a corrupção da banda liderada por Orestes Quércia, encantou uma parte da centro-esquerda com a visão de um partido moderno e republicano. Para eleger-se, FHC justificou a aliança com o PFL dizendo que, para avançar, era preciso rebocar as forças do atraso. Suas políticas neoliberais ainda tiveram na vitória contra a inflação um neutralizante poderoso. Já com o apoio ao golpe contra a presidente Dilma Rousseff e ao governo ilegítimo de Temer o partido afastou-se da trilha democrática, enfiou uma cunha em sua própria unidade. A revelação da hipocrisia de moralistas como Aécio Neves, as evidências de que enquanto bradavam contra a corrupção dos petistas os tucanos também superfaturavam obras e enchiam os cofres com propinas de empreiteiras, liquidaram com a credibilidade da sigla. Pesquisa Datafolha realizada em junho passado mostrou que o PSDB, juntamente com o PSDB, têm a preferência de apenas 5% da população, contra 18% do PT, hoje em franca recuperação do colapso moral, graças à compreensão da população sobre o significado do golpe e à popularidade do ex-presidente Lula, que cresce na medida em que o governo apoiado pelos tucanos afunda na rejeição.
Na vida dos partidos, todos os percalços podem ser enfrentados e superados, desde que não lhes afete a identidade e o projeto. Para ficar no campo da social-democracia, alguns dos partidos europeus com que o PSDB se identificava já desceram aos infernos e voltaram ao poder, alternando ciclos de queda e emergência. A captura do PSDB por Doria afeta a identidade do partido e seu programa. Sua candidatura selará o fim do partido, haverá racha e debandada, e uma fatura de omissão penderá sobre a biografia de lideranças históricas como Fernando Henrique Cardoso, por não terem impedido a tempo este triunfo da irracionalidade e suas consequências para a vida política nacional.
Acordem, tucanos. Doria todos os dias dá mais um passo na captura do PSDB como máquina para seu projeto pessoal, que é autoritário, fascista e irresponsável.
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