O futuro governo mostra-se inclinado a desprezar os meios tradicionais de comunicação, jogando todas as suas fichas nas redes sociais. Irão se adaptar à nova ordem?
O jornal O Estado de S.Paulo demite uma cronista por ter criticado as propostas do então candidato de extrema-direita, Jair Bolsonaro. Toma essa decisão depois de vê-lo eleito, numa atitude nítida de subserviência. A TV Gazeta demite quase toda a equipe de jornalismo e amplia o aluguel ilegal de sua grade de programação para a Igreja Universal, apoiadora do próximo governo.
A Folha de S.Paulo, depois da derrota do seu candidato no primeiro turno, parece sem rumo. Chama o gesto repulsivo do presidente eleito, simulando o uso de armas, ao lado do presidente do Tribunal Superior do Trabalho, de simples gesticulação. Quem ele ameaçava? Os juízes ou os trabalhadores? Essa resposta a Folha não deu.
O caso da Veja é ainda mais curioso. Depois de se tornar um panfleto golpista, tentando derrubar o presidente Lula, evitar a eleição de Dilma Rousseff e contribuir para tirá-la da Presidência, sai com uma capa crítica ao projeto que pretende censurar a atuação dos professores em salas de aula, tão a gosto do presidente eleito. Será uma tentativa de recuperar a credibilidade perdida? É difícil acreditar, ainda mais diante da situação econômica da Abril e a dispensa de centenas de funcionários. Um caso para ser acompanhado de perto.
São apenas alguns exemplos da situação dos meios de comunicação tradicionais neste momento pós-eleitoral. Todos eles apostavam numa candidatura palatável para os seus interesses empresariais mas não encontraram quem a encarnasse.
De repente se viram às voltas com uma realidade inesperada. Têm pela frente um governo que os despreza, que assusta muitos dos seus leitores, ouvintes e telespectadores, mas do qual não podem se afastar totalmente, como sempre acontece no Brasil. Afinal a dependência das verbas publicitárias oficiais e de outros favores governamentais é muito grande.
O uso do WhatsApp nas eleições foi decisivo para a definição dos resultados. Sobre isso não há dúvida. Mas esse sistema de mensagens não operou sozinho. Foi apenas o último passo de uma sequência iniciada muito tempo antes e operada pelos meios de comunicação tradicionais.
Criminalizaram a política abrindo espaços para o surgimento de aberrações desde o pleito municipal, há dois anos, ampliando-se agora com as eleições do presidente da República, de alguns governadores e de vários parlamentares.
A corrupção tornou-se um prato cheio. O Jornal Nacional diariamente tinha como imagem de fundo desse noticiário um duto por onde jorrava muito dinheiro. As TVs nos restaurantes, bares, lojas, salas de espera de consultórios e de hospitais, mesmo sem som, inculcavam as imagens da corrupção nas cabeças de quem olhasse para as telas.
Nada de novo. As massas que saíram às ruas insufladas pela TV para apoiar o golpe de 2016 levantavam as mesmas bandeiras, como sempre ocorre em qualquer parte do mundo quando a direita tenta chegar ao poder por vias transversas.
No caso do Brasil, além da corrupção o outro tema sensível explorado eleitoralmente é o da segurança, sobre o qual rádio e TV deitam e rolam. Num país em que morrem assassinadas por ano mais de 60 mil pessoas, o assunto não pode mesmo ser desprezado.
O problema é a forma como ele é abordado. Os programas policialescos que ocupam amplos horários das emissoras em todo o país pregam ainda mais violência como solução. Claro que para as emissoras não interessa acabar com a violência. É ela que dá picos de audiência e garante boas receitas publicitárias. Daí a transformação de dramas do cotidiano em espetáculos mórbidos.
Especialistas nesse tipo de programa, as redes Record e Bandeirantes foram contempladas com entrevistas exclusivas do candidato vencedor antes das eleições. Ele é o representante mais bem acabado da ideologia veiculada pelos programas policialescos.
Com sua retórica limitada, o capitão reformado balbucia chavões repetidos pela TV desde a época em que Jacinto Figueira Junior era o "Homem do Sapato Branco" na TV Cultura de São Paulo, àquela altura propriedade de Assis Chateaubriand. "Direitos humanos para humanos direitos" ou "bandido bom é bandido morto" não são novidade, fazem parte da história da televisão brasileira.
A contribuição da mídia tradicional para o resultado das eleições não fica por ai. A "facada de Juiz de Fora", ainda a espera de uma investigação jornalística mais aprofundada, foi o ponto de virada da campanha eleitoral.
Tanto que um dos filhos do candidato proclamou uma vitória em primeiro turno logo após a agressão e apressou-se em dizer que o ferimento era superficial. Estava estabelecido o álibi para tirar o militar da reserva de todos os debates previstos com os demais candidatos.
Sabia ele e os seus apoiadores mais próximos do desastre que seria um confronto cara-a-cara com seus adversários. No único evento desse tipo em que participou, na Rede TV, foi destruído pela candidata Marina Silva, ao discutir sobre o papel da mulher na sociedade.
No segundo turno as emissoras cancelaram os debates sob a alegação de que não poderiam fazê-lo só com um candidato. Embora a Rede Globo tenha feito exatamente isso no Distrito Federal onde um concorrente se ausentou. Dessa forma criou-se uma situação inédita na história das campanhas presidenciais brasileiras.
O candidato Fernando Haddad, disposto ao debate, foi excluído da TV. O outro candidato escondeu-se do confronto mas falou sem contestação em longas entrevistas para a Record e a Bandeirantes. A justiça eleitoral fez vistas grossas para a ilegalidade e a democracia, nesse momento, sofreu um duro golpe.
Resta saber o que temos pela frente. Os meios tradicionais estão desorientados. O novo governo mostra-se inclinado a desprezá-los, jogando todas as suas fichas nas redes sociais e a eleição não interrompeu esse processo. As mensagens continuam circulando, refutando críticas e exaltando as confusas decisões do "governo de transição".
Os meios convencionais, fragilizados em sua credibilidade e no seu caixa, terão muita dificuldade para se recuperar. A saída mais cômoda é a adaptação à nova ordem, como já mostrou a Rede Globo com uma entrevista apresentada no Fantástico com o candidato eleito.
O que já não era bom em termos de comunicação democrática tende a piorar. Torço para estar errado.
da RBA
Nenhum comentário:
Postar um comentário