"Quem critica, não conhece o Vale"

Valdir Julião - repórter

Pelo menos 11 organizações não-governamentais ou instituições ligadas ao campo criticam o modelo do projeto do Perímetro Irrigado da Chapada do Apodi, mas isso não é uma posição unânime entre os agricultores familiares da região do vale apodiense, inclusive colonos dos sete assentamentos rurais ali situados. Caso do ex-presidente da Cooperativa dos Agricultores Familiares do Apodi, José Ferreira Filho, o "Dedé", que vê nisso uma campanha política de alguns setores: "A maioria das críticas vem de pessoas que não conhecem o Vale. São de fora, de Natal, Caicó e da região Agreste e não imaginam como é nossa dificuldade aqui".
Emanuel Amaral

 O agricultor José Ferreira Filho diz que a irrigação do Vale do Apodi vai levar desenvolvimento para a área

José Ferreira Filho disse que "muita gente tem receio de tomar posição", mas isso é uma coisa que ele diz ter aprendido no movimento cooperativista. "Perdi minha timidez e tenho posição para falar, como também respeito a posição dos outros", afirmou ele, achando que a colocação do Fórum do Campo Potiguar (Focampo) e outras ongs como Comissão Pastoral da Terra (CPT), Coopervida, CF 8 de Março e a própria Seapac "tem receio de perder espaços e recursos financeiros" com o crescimento da agricultura familiar: "Na hora em que um agricultor começar a produzir numa área de um, dois ou oito hectares, vai poder escolher sua própria assistência técnica".

Dono de um lote no Assentamento Vila Nova, onde vivem dez famílias em 13 hectares de terra cada uma, Ferreira Filho disse que a irrigação é a solução para a Chapada do Apodi, por isso ele afirma que não é contra o projeto que está para ser executado pelo Departamento Nacional de Obras contra Secas (Dnocs). "Aqui a maioria das pessoas sobrevivem da aposentadoria de um parente ou então vão trabalhar nas caieiras de calcário, como meu vizinho, para ganhar R$ 40,00 trabalhando três vezes por semana de 17 horas às 5 da manhã".

Para sobreviver com uma pequena criação de 15 cabeças de boi e 40 de caprinos, "Dedé" afirma que tem de se agüentar com águas salgada de poço profundo, porque a água para consumo humano é abastecida pelo programa de carro-pipa que é executado pelo Exército Brasileiro. Outra atividade dele é a apicultura - "tenho 41 caixas de abelhas, mas só 28 estão ativas", disse ele, que para garantir comida para os animais, armazena sorgo num silo. A mulher de "Dedé", dona Francisca Ceci Ferreira é presidente da Associação do Assentamento Vila Nova e disse que a proposta dos assentados, é no sentido de que além do bico de água que o projeto do Dnocs garante a eles, é que o Incra trabalhe para os colonos terem acesso ao kit de irrigação completo, "porque é muito caro". Ela também afirma que os assentamentos reivindicam o aumento de um para dois hectares o tamanho da áreas de irrigação prevista no projeto original.

Joel de Oliveira Medeiros todo dia anda quilômetros numa carroça puxada a cavalo para levar água em tambores plásticos para a sua criação de caprino. Segundo ele, a irrigação "é o único jeito para melhorar a vida" dos assentados, porque na Chapada do Apodi ou chove de mais ou de menos. "Em 2010 só colhi duas sacas de feijão e sete de milho nos atoleiros por causa das chuvas que foram fortes". Com a irrigação, explicou ele, será possível controlar água, principalmente durante o verão, para ter pelos menos duas colheitas no ano.

BISPOS

Quarta-feira passada,  a Igreja Católica divulgou posicionando contra o modelo do projeto do perímetro irrigado do Apodi, o clero diz que não é contra o uso das águas da Barragem de Santa Cruz para irrigação, mas ressalva que deve ser garantido o abastecimento humano de todas as comunidades rurais e urbanas da região.

Projeto não prejudicaria outras atividades

Com uma área de 1.602 quilômetros quadrados, Apodi é o segundo maior município do Rio Grande do Norte, ficando atrás apenas de Mossoró, que tem 2.099 km². É numa área desse tamanho que ficara encravado os 5.200 hectares do perímetro irrigado da Chapada do Apodi, mas que, segundo o secretário municipal de Agricultura, o médico veterinário Elton Silveira de Souza, em nada prejudica as outras atividades econômicas de Apodi, que "precisa desse investimento para se desenvolver", pois a sua população, acrescentou, "só aumentou 600 pessoas em dez anos", de acordo com o Censo de 2010 do IBGE.

Elton de Souza disse que o projeto do perímetro irrigado preserva e não toca nas áreas turísticas, como o Lajedo de Soledade, com suas inscrições rupestres, assim como garante a exploração das áreas petrolíferas e das culturas de sequeiros e de vazantes, com o arroz vermelho, das margens do rio Apodi, ficam longe da região de chapada, onde as pessoas que vivem no campo sobrevivem da extração da lenha e da cal provenientes das jazidas de calcário, além do caju produzido na Lagoa do Apodi.

"O projeto vem para somar", disse o secretário de Agricultura, para informar que Apodi sobrevive hoje, como a maioria dos municípios, basicamente dos recursos da previdência social e do Fundo de Participação dos Municípios (FPM). Com a irrigação chegando, segundo ele, cerca de R$ 7 serão acrescidos à economia do município: "É outro volume de recursos equivalente às aposentadorias e ao FPM".

Para ele, o projeto do perímetro irrigado tem alguns "diferenciais", que garantem, por exemplo, o lote para os 154 proprietários que terão suas terras desapropriadas pelo governo federal. "Existem um 90 proprietários morando dentro de suas terras. A todos eles é garantido um lote, só não ficam se não quiserem".

Outro dado importante do projeto, aponta o secretário, é que o Instituto Federal de Educação Tecnológica (IFRN) de Apodi vai formar 90 técnicos em Zootecnia, pessoal esse que poderá concorrer a a 120 lotes, cada um com 16 hectares, o dobro do lote que será destinado aos agricultores familiares, que respondem por 85% dos beneficiados. "É preciso acabar com esse discurso de que o agricultor familiar não pode deixar de ser pequeno para ser um grande produtor".

Compra da produção seria garantida

Presidente da Associação do Distrito Irrigado do Baixo Açu, o empresário Guilherme Saldanha informou que "é preciso terminar com essa bobagem" de que empresários e pequenos agricultores não podem conviver juntos. Ele disse que o setor empresarial pode firmar parcerias com os agricultores familiares, garantindo a compra de insumos e , principalmente, dividir os custos da energia, "que são altos" e respondem por 60% das despesas.

Guilherme Saldanha disse que no Baixo Açu existem lotes isolados, também tem aqueles que tocam o negócio da agricultura irrigada em parceria com outros. Segundo ele, a primeira etapa do projeto tem 2.400 dos três mil hectares em uso. De um total de 11 empresas, oito estão em atividade, enquanto de 195 pequenos produtores, pelo menos 135 estão produzindo banana, mamão, feno e outras culturas.

POSIÇÃO

Saldanha admitiu que existe o interesse do Dnocs em tocar o resto do projeto, mas para isso, é necessária uma tomada de posição do governo, inclusive com relação aos lotes que estão sem produzir e que tem sido alvo de especulação imobiliária. "Existem corretores lá dentro", declarou ele, achando que o governo precisa reaver as terras e concedê-las a quem quer produzir.

O perímetro irrigado do Vale do Açu tem 197 lotes, a maioria, 156 é de 8,52 hectares somados a primeira e segunda etapas, enquanto 25 são de lotes empresariais, com área média de 145 hectares cada.

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