“Só formalizar não basta”, diz Zeca Melo

Renata Moura - Editora de economia


Júnior SantosZeca Melo diz que as pessoas que empreendem por oportunidade, que fazem um bom plano de negócio, que se estruturam financeiramente, que têm um nível de formação profissional melhor, e estão atentas às características de inovação, têm mais chance de dar certoZeca Melo diz que as pessoas que empreendem por oportunidade, que fazem um bom plano de negócio, que se estruturam financeiramente, que têm um nível de formação profissional melhor, e estão atentas às características de inovação, têm mais chance de dar certo
As micro e pequenas empresas  vêm colecionando vitórias  ao longo dos últimos anos, a exemplo da Lei Geral, que reduziu a burocracia, criou um regime especial de tributação para elas – o Simples – e também mais oportunidades para que consigam crescer e sobreviver no mercado. Um dos que encampam a luta em direção a esses avanços, o superintendente do Serviço de Apoio a Micro e Pequena Empresa no Rio Grande do Norte (Sebrae RN), José Ferreira de Melo Neto, observa, no entanto, que só as conquistas alcançadas até agora não bastam. Nesta entrevista, Zeca Melo, como é mais conhecido, cobra a concretização de promessas de campanha eleitoral, fala sobre desafios e metas que o setor têm projetados para este e os próximos anos. Confira:

O empreendedor individual completou 1 ano no RN, em fevereiro. Que balanço o senhor faz desse período?

O balanço é positivo. Até 9 de março, estávamos com 13.609 empreendedores individuais no estado.

Esse número está dentro da expectativa do Sebrae?

Na verdade, nós refizemos as nossas metas. Tínhamos previsto 13 mil no ano passado. Como começou atrasado, fizemos 11.200. Então o que resolvemos fazer foi recuperar o tempo do ano passado e cumprir a meta deste ano, que era 6.500. Fechamos a nova meta de chegar a 20 mil empreendedores individuais ate o fim do ano. Hoje estamos com 13.600, vamos ter que fazer mais 6.400 até o final do ano. Mas, nós resolvemos agregar alguma coisa a isso. Não basta ir lá, não basta fazer com que o pequeno se formalize. Apesar de a gente saber que a formalização deixou de ser um alvo difícil de se atingir, apesar,d e agente saber de todas as facilidades que a formalidade,a legalidade trazem, como a cobertura previdenciária, como do ponto de vista de crescimento da empresa – porque se tem mais acesso a crédito, pode emitir nota fiscal, por exemplo- só isso não nos satisfaz. Queremos dar um suporte de consultoria, de operação a ele. Pretendemos visitar os empreendedores individuais, principalmente os que nos procuraram para se formalizar. Vamos lá na empresa dele, fazer um diagnóstico da situação dele, ver o que ele precisa. Essa primeira etapa é gratuita. Se ele precisar de um trabalho maior ele vai pagar. Já começamos esse trabalho.

O Rio Grande do Norte chegou ao final de 2010 com mais de 19 mil novas empresas, sendo que 58,73% delas foram constituídas por meio do Empreendedor Individual. Esse impulso à formalização está ocorrendo na velocidade desejada?

Como eu disse, não há mais vantagem em ser informal. Eu acho que é um ritmo bom. Mas continuo dizendo que precisamos dar suporte a eles. Um outro tipo de suporte é ter políticas públicas previstas na lei geral da micro e pequena empresa. Precisamos, por exemplo, ter um programa de compras governamentais à vera. Estamos trabalhando isso com o governo do estado, por meio da secretaria de administração, e devemos entrar também com o Tribunal de Contas do Estado.

Há muito tempo se fala sobre a necessidade de abrir esse mercado ás pequenas. Ainda é difícil para elas acessá-lo, é isso?

Não. Primeiro porque eram informais. Segundo, porque eles tem muita dificuldade de informações, até técnica de participação. Então estamos montando um programa de treinamento com as empresas que têm interesse em participar dos processos licitatórios, estamos fazendo um programa de treinamento também com as prefeituras, que são responsáveis pelo processo em si. Temos que dar condições de eles participarem. Nós vamos ter um site, Sebrae, governo e Tribunal de Contas. Vamos fazer a capacitação, o cadastramento para ele receber online os processos licitatórios que interessam a ele, vamos ter todos os processos licitatórios referentes ao governo do estado e as prefeituras no site e vamos capacitá-lo para participar disso. Acho que rapidamente vamos ter condições de fazer com que isso opere, porque as equipes técnicas do Sebrae e da Secretaria de administração já estão trabalhando e estamos com esse portal quase pronto.

O número de novas empresas criadas explodiu, mas há alguma garantia de que essas empresas conseguirão sobreviver no mercado? O ambiente conspira em favor disso hoje?

Temos que criar um ambiente favorável não só à criação como a manutenção e o crescimento das pequenas. O ambiente ainda não é assim. Na medida em que vamos trabalhando mais vamos aprimorando. Por exemplo, na questão do crédito, a gente tem muitas linhas de crédito, mas não existe linha de crédito via agência de fomento que dê suporte a esse trabalho de consultoria e assessoria, como acontece no Pronaf, por exemplo. Então esse projeto, que é um projeto anunciado em campanha (pela governadora Rosalba) é um projeto que aguardamos com ansiedade. Que tipo de suporte de crédito podemos ter para essas empresas que foram formalizadas.

O acesso ao crédito ainda é difícil para as pequenas?

O crédito é uma dificuldade, mas é uma variável que tem que ser analisada no seu conjunto. É muito complicado e muito perigoso o crédito no pequeno negócio quando não vem acompanhado de um plano de negócio, de um trabalho estruturado. O crédito nem pode ser uma coisa tão difícil que seja inacessível mas também não pode ser dado de forma paternalista porque você em vez de encaminhar uma solução cria um problema muito grande para a pequena empresa. É preciso dar condições de o pequeno crescer. Não é só o crédito. Quando eu digo que o crédito para o pequeno ainda é caro e difícil, eu não estou defendendo a concessão fácil, estou defendendo o acesso fácil, desde que ele se estruture para tomar o crédito e crescer.

Um levantamento publicado pelo Sebrae em 2007 aponta que 83,5% das empresas potiguares conseguiam manter suas atividades após os dois anos de funcionamento, considerando 2005 como ano de análise. Esse índice mais que dobrou desde o ano 2000. O índice de sobreviventes se manteve em crescimento de lá para cá?

Estamos fazendo uma pesquisa agora. Essa questão da mortalidade é muito relativa. As vezes uma empresa não fecha por insucesso. Tem gente que monta uma empresa para fechar. Tem muita gente que empreende por necessidade e não por oportunidade. Que monta a empresa e de repente acha um emprego. Não significa necessariamente sua empresa fechou ou faliu. Significa que você teve outra oportunidade e partiu para outros caminhos.

Qual é o requisito básico para sobreviver no mercado?

Olhe, eu acho que você tem que ter um bom plano de negócio, você tem que empreender por oportunidade. O mundo não é feito de empreendedores. Isso aqui é uma Casa do Empreendedor. Mas o mundo não é feito só de empreendedores, do ponto de vista de você criar uma empresa. Você pode ser empreendedor na sua vida. É meio romântico, mas é verdade. Quer dizer, o mundo não é feito só de empresário. O mundo também é feito de soldado de polícia, de dentista, de cantador de rua, de animador de bloco de carnaval. Então, as pessoas que empreendem, que tem sucesso, elas normalmente têm uma característica empreendedora, uma característica individual, que tornam elas mais vocacionadas para serem empresárias. As pessoas que empreendem por oportunidade, que fazem um bom plano de negócio, que se estruturam financeiramente, que têm um nível de formação profissional melhor, e estão atentas às características de inovação, têm mais chance de dar certo - e alguma característica inovadora, que as tornam mais competitivas.

Em que pé está o projeto de lei que altera o Simples? 

O projeto de lei que altera o simples é mais ou menos como a história do russo que botou o bode dentro da sala, não é verdade? A história do russo é a seguinte: tinha um edifício na Russia que em cada apartamento de 100m2 morava dez famílias. E eles resolveram reclamar com a direçãozinha lá do bairro. “Dez famílias em 100m2, não dá.” E no dia seguinte o chefe de polícia botou um bode fedorento, imenso, na sala. Na semana seguinte, eles foram lá e pediram para tirar o bode. Aí o cara foi e tirou o bode. Resolveu o problema. Continuaram as dez famílias no mesmo lugar, sem o bode. No nosso caso, a gente devia ter votado os avanços da lei no fim do ano. Mas a gente não votou. E agora a gente tá dizendo, “Que bom! Vamos votar e ter todo o avanço.” Mas isso devia ter sido feito ano passado. Não conseguimos fazer. Colocamos o bode. Agora, estamos tirando o bode e vamos votar. Tem algumas coisas que são muito importantes na nova legislação. Primeiro, aumenta o teto do faturamento das empresas que podem entrar no Simples. Então, primeiro a gente organiza os limites. Segundo, permite que os pequenos possam renegociar seus débitos com a secretaria de tributação do estado e com a Receita Federal. Coisa que não está prevista na legislação. Segundo dados da própria Receita, 500 mil pessoas precisam renegociar... A renegociação faz parte da tradição capitalista brasileira. Aqui no estado, eu calculo que, dos cerca de 50 mil empreendedores optantes pelo Simples, temos uns 7.500 que precisam renegociar. Então esse pessoal vai poder permanecer como optante pelo simples. Com esse projeto de lei, a gente acaba com essa questão dos estados pobres terem o limite inferior ao dos estados ricos. Não é justo que em São Paulo, um optante pelo Simples pague menos que no Piauí. Agora todo mundo vai ter o mesmo limite. E a terceira coisa, que é muito importante, é fazer com que o pequenininho, o empreendedor individual, possa emitir sua nota fiscal pelo portal da Receita Federal. Que dá uma flexibilidade imensa a ele. Essas três coisas são muito importantes.   Todo o trabalho está sendo feito no sentido que se vote isso ainda nesse primeiro semestre. De forma que os efeitos da renegociação e da emissão da nota fiscal possam se dar imediatamente. E os efeitos tributários, relativos ao aumento do limite, se dêem a partir de 2012.

A presidente Dilma Rousseff sinalizou que vai criar um ministério para micro e pequenas empresas. É uma estrutura necessária hoje?

Eu vou aguardar mais para saber qual vai ser o papel do ministério.  Eu acho que a gente conquistou muita coisa, como a própria lei geral. E espero que a criação do ministério venha ajudar isso.

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