Participantes da audiência pública foram unânimes: faltou empenho, eficiência e dedicação na investigação por parte da Polícia Civil
De acordo com o senador Paulo Davim (PV/RN), vice presidente da CPI do Tráfico de Pessoas, dados "importantes, relevantes e estarrecedores" foram conhecidos na manhã de ontem, no decorrer da audiência pública. "Avançamos muito mais hoje (ontem) do que em todos esses 14 anos. Agora, com um afunilamento das provas e evidências, temos um caminho a ser seguido que nos levará à resolução do caso", assegurou Davim.
O senador assegurou que "há coisas que são sigilosas e que ainda não podem ser tornadas públicas", e que a pista a ser seguida é a "de um casal que já aparece em depoimentos antigos (uma brasileira e um americano), que hoje estariam morando no interior de São Paulo".
A principal suspeita é que as crianças tenham sido raptadas por uma quadrilha que atua no tráfico de menores para a adoção ou para o trabalho infantil em lavouras.
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De acordo com a declaração do primeiro delegado envolvido com a apuração dos cinco raptos no Planalto, que na época era lotado na 14ª Delegacia de Polícia Civil, em Felipe Camarão, Elói Carvalho Xavier, o casal teria morado em Natal durante o período dos desaparecimentos e teriam cedido uma casa no bairro de Capim Macio, para que um casal de moradores de rua pudessem morar com seus cinco filhos.
Emanuel AmaralParentes das crianças desaparecidas acompanharam a discussão da audiência pública
Elói relembra que consta nos laudos que o casal residia no local com a promessa de trabalharem na lavoura de cana-de-açúcar, num engenho no interior São Paulo. Além dos cinco filhos do casal (que poderiam ser as crianças sequestradas no Planalto), mais duas crianças, que na época foram assinaladas como filhas do provável casal aliciador, também moravam na residência sem móveis. "Na época eu ia intervir e tomar providências, mas fui impedido por outros colegas. Fui expulso do caso", colocou.
Segundo Elói Xavier, é de conhecimento da Polícia Civil, e consta nos laudos, que logo após o último rapto, em 2001, o casal acusado viajou para o interior de São Paulo.
O senador Paulo Davim colocou à reportagem da TRIBUNA DO NORTE, que as informações do destino do casal suspeito, cujos laudos apontam a cidade de Araraquara, no interior de São Paulo, não devem ser desprezadas. "Eles podem até se encontrar em outro endereço. Mas ele é americano. Se estiver em solo brasileiro, a embaixada dos EUA nos informará", pontuou. Além disso, se o casal estiver fora do Brasil, a participação da Polícia Internacional (Interpol) nas investigações será solicitada.
Hoje, promotor de Investigação Criminal do Ministério Público, Jovino Pereira e o delegado titular da Delegacia de Capturas (Decap) vão se reunir para discutir os próximos passos da investigação.
PF deve entrar nas investigações
O senador Paulo Davim disse que se reunirá hoje com o ministro da Justiça, Eduardo Cardoso, para ratificar a importância da participação da Polícia Federal na elucidação dos fatos. Segundo ele, na semana passada, o superintendente da Polícia Federal no RN, Marcelo Mosele, esteve com o promotor de investigação Criminal, Jovino Pereira, a pedido do próprio ministro para colher informações e garantir a investigação do Caso Planalto. Ainda não há data sobre quando a Polícia Federal atuará no caso.
A senadora Vanessa Grazziotin (PCdoB/AM), presidente da Comissão, liderou o interrogatório ao lado do senador e vice-presidente da Comissão Paulo Davim (PV/RN). O objetivo da audiência, a segunda realizada no RN após a instauração da comissão em agosto de 2011, foi de elucidar o Caso Planalto, em que cinco crianças foram raptadas ao longo de dois anos, no período de 1998 a 2001.
"Não somente cobrar a investigação do Caso Planalto, mas também alertar e gerar uma atenção maior a um crime invisível: o tráfico de pessoas", colocou a senadora. Possíveis erros investigativos ocorridos no começo das investigações do Caso Planalto foram discutidos durante a audiência pública.
O delegado geral Fábio Rogério esclareceu que a falta de infraestrutura da Polícia Civil leva a ineficiência das apurações. "Um delegado especial já acumula uma delegacia. Não se dedica só a um caso. Há casos de homicídio que demoram tempo para serem investigados, quando deveria ser imediato", pontuou.
Próximo ao fim da audiência, o delegado que estava responsável pelas investigações do caso há um ano e oito meses, Márcio Delgado Varandas, da Delegacia de Macaíba, colocou que por alguns problemas pessoais "relaxou" na investigação dos raptos. "Não há estrutura, não há condições. É um caso antigo e que já passou por várias mãos. Só respondo pelo que foi investigado durante o tempo em que assumi o caso", colocou.
De imediato, a presidente da Comissão, Vanessa Grazziotin, colocou que a falta de comprometimento da Polícia Civil com as investigações levou o caso a se arrastar por todos esses anos. "Se tratam de pessoas humildes. É por isso que se demora tanto a resolver?", questionou. A senadora chegou a acusar o atual delegado designado para o caso de prevaricação. "Se não estava conseguindo apurar e investigar o caso, então que comunicasse ao delegado geral. Só acho inadmissível que um delegado, após quase dois anos à frente das investigações, venha em público para dizer o que foi declarado", disse, indignada.
Após a audiência, Márcio Delgado conversou com a TRIBUNA DO NORTE e considerou o comentário da senadora "infeliz". "Nossa equipe fez o possível para colher informações. Até trouxemos as famílias do Planalto para assistir a audiência. Não temos nada a esconder, muito pelo contrário, queremos descobrir onde estão as brechas que desencaminharam as investigações em 2001. Eu não cometi prevaricação, talvez isso já tenha ocorrido há mais tempo", colocou.
Diante das declarações da senadora, o delegado geral da Polícia Civil, Fábio Rogério disse que a instituição "não pode ser maculada por causa de um fato isolado". "Somos capazes totalmente para solucionar qualquer tipo de crime. O problema foram os erros cometidos no início da investigação e a falta de estrutura que já é antiga".
Crime lucrativo
Segundo dados da CPI do Tráfico de Pessoas, instaurada pelo Congresso Nacional em agosto de 2011, esse tipo de crime movimenta cerca de R$ 30 bilhões de dólares em todo o mundo. Cerca de 10% de todo esse valor é arrecadado só no Brasil. Em vias gerais, as vítimas são pessoas de baixo poder aquisitivo, e que residem em locais de alta vulnerabilidade social.
O bairro Planalto era uma comunidade carente na década de 90, local propício para a compra de menores ou assédio dos pais para entregar seus filhos à adoção. O crime invisível, segundo a CPI do Tráfico de Pessoas, é o segundo mais lucrativo em todo o mundo, perdendo apenas para o tráfico de entorpecentes.
Bate-papo - Vanessa Grazziotim - presidente da CPI
Quais são as formas possíveis para a concretização do tráfico de pessoas?
Bem, é uma diversidade. As pessoas que são acometidas por esse crime podem ser recrutadas através de uma proposta enganosa de emprego no exterior, ou até mesmo através de ameaças, recorrendo o uso da força. Porém, o rapto, aliado à situação de vulnerabilidade das famílias, são as mais eficazes no tocante às crianças. Quem atua nesse mercado tenta muitas vezes comprar a criança à família, a preços baixos, ou pedi-las para adoção, frisando as dificuldades que a família passa. Dizem que na outra família eles terão uma vida melhor. Qual a mãe que não quer isso para o filho?
O que prevalece para esse "negócio" conhecido como tráfico de pessoas?
Na maioria das vezes, as pessoas mais vulneráveis a se envolverem como vítimas nesse tipo de crime são mulheres e crianças. Essas pessoas são levadas para fora do país, onde muitas vezes são entregues à prostituição, ou são até mesmo violentadas e vendidas por preços altos para os mais diversos fins. A face mais visível do problema é o turismo sexual e o embarque de mulheres dos países de origem para os países receptores em busca de oportunidades de trabalho em casas noturnas e boates.
Mas, e para o Caso Planalto, o que se tem em vista?
Para casos como o rapto das crianças do Planalto, é possível se alegar que o objetivo desses sequestros estão relacionados com a venda de órgãos para transplante, adoção ilegal, pornografia infantil, escravidão, e até mesmo para o uso no contrabando de mercadorias, contrabando de armas e ao tráfico de drogas.
De que forma a senhora acredita que o tema sendo tratado em horário nobre, novela da Rede Globo, pode ajudar no enfrentamento da situação?
Com a visibilidade. Sempre digo que esse crime é invisível. Acontece e as pessoas não tomam conhecimento. Com toda a movimentação em cima da investigação desse tipo de crime, parece muitas vezes que esse crime aumentou e tem acontecido com mais frequência. É uma falsa ilusão. Afinal, sempre aconteceu e acontece o tempo inteiro. Nossos esforços são para desbaratar essas quadrilhas que usam da fragilidade do próximo para satisfazer um negócio ilegal, altamente violador dos direitos humanos. A própria Glória Perez entrou em contato com a nossa CPI para colher informações sobre a atuação dessas quadrilhas. É importante sim, pois alerta a população e aproxima-a desse fato muitas vezes invisível.
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