O esporte liberta


Leonardo Erys - Repórter

Pouco mais de uma semana depois, a Penitenciária Estadual de Alcaçuz, em Nísia Floresta, voltou a ser destaque nos jornais. Dessa vez, nenhuma fuga foi registrada, assim como não houve túneis descobertos. Tampouco, alguma rebelião aconteceu na maior unidade prisional do Rio Grande do Norte. A única arma utilizada pelos apenados foi a bola. Ao invés de grades, as quatro linhas. O 2º Torneio de Futebol da penitenciária, que ocorreu nos dias 13 e 14 deste mês, expôs a importância do esporte para a ressocialização daqueles que foram privados do direito de viver em sociedade. "O 'cara' fica no pavilhão trancado, sem fazer nada, aí só vem pensamento ruim. Isso é uma motivação diferente, é bom", diz Edvaldo França, o "Surfista", de 42 anos, que cumpre pena por tráfico de drogas. "A mente da gente é tenebrosa e o esporte ajuda a distrair. Ganhamos o dia", completa o apenado Carlos Alberto Costa, de 38 anos, preso por assaltar uma casa lotérica em Morro Branco, zona Sul de Natal, em 2007.

Os dois participaram do torneio que contou com oito times: pavilhões I, II, III e IV, além dos setores do rancho, padaria, serviço gerais e integrantes do projeto "Fábrica de Bolas". Um campo de areia foi improvisado na entrada da Penitenciária, à frente das celas, com traves de mirim. A marcação do campo foi feita pelos próprios presos, assim como a bola utilizada nas partidas, fruto do projeto "Pintando a Liberdade".
 
O coordenador do campeonato, Jonas Ponciano, explica que as duas edições do torneio foram realizadas a pedido dos presos. "O apenado que deu a ideia do campeonato faleceu um dia antes do primeiro torneio. Ele estava marcando o campo e teve um ataque fulminante", comentou. Há 12 anos trabalhando na Penitenciárias de Alcaçuz, Jonas também coordena o projeto "Pintando a Liberdade", que conta com a participação de 30 presos. Cada um produz uma bola por dia num trabalho que dura cerca de três horas. Por cada bola, o preso recebe o valor de R$ 2,70.

Entre os que disputavam o torneio, estava Misael Pereira da Silva, de 43 anos, mais conhecido como "Maníaco da Bicicleta". Preso há 13 anos, ele foi condenado a 90 anos de reclusão pelo estupro de 13 crianças entre 1998 e 1999. Duas delas foram mortas estranguladas. Misael foi capturado por populares saindo de  um matagal na praia de Jenipabu, no momento em que acabara de fazer sua última vítima: Maranne de Oliveira Costa Fernandes, de 8 anos. Após ser detido, confessou também o assassinato de Márcia Cristina Arcanjo, de 10 anos, encontrada morta no conjunto Parque dos Coqueiros, zona Norte de Natal. "Quando eu paro no tempo pra pensar, eu não consigo imaginar a pessoa que eu sou hoje e o que eu fui lá fora.  Eu não consigo imaginar que eu sou eu", disse Misael à reportagem da TRIBUNA DO NORTE, que acompanhou o torneio no presídio. 

Serviços

Com previsão de saída da prisão - segundo ele - para 2024, o "Maníaco da Bicicleta" se vê trabalhando após deixar a cadeia, mesmo que ainda falte tempo para isso acontecer. "Fazer outra vida. Minha cabeça não é mais 'daqueles planos diabólicos'", diz. Na época em que cometeu os crimes que chocaram o RN, Misael trabalhava como auxiliar de Serviços Gerais da Parmalat e prometia os bichos de pelúcia da empresa para convencer as vítimas, segundo relatou à polícia após ser preso. Ele fala que hoje tem uma família formada, se diz arrependido e que "muita coisa mudou". "Vocês podem acreditar ou não, mas para Deus é o que importa", diz. "É um tempo que fica marcado, mas se eu pudesse mudar meu nome de Misael, para ver...", fala, sem concluir o raciocínio, ao ser perguntado se mudaria algo para esquecer o passado.

Misael têm receio de tocar no assunto. "Eu não 'tô' preparado pra responder isso agora não", disse, quando questionado sobre o que o motivou a cometer os crimes. "Eu tenho que pensar no que eu fiz nesse tempo que eu estou aqui". Sobre o torneio de futebol, ele acredita que é uma maneira da sociedade ver que também há bons projetos desenvolvidos em Alcaçuz. "A visão lá de fora pra cá é de que tudo é ruim".
Emanuel AmaralA diretoria do presídio acompanha e vê com bons olhos a iniciativa
A diretoria do presídio acompanha e vê com bons olhos a iniciativa
Para a diretora do Presídio de Alcaçuz, Dinorá Simas, a prática de uma atividade física pelos presos é o mais importante nesse contexto. "Eu vejo essas competições como algo bom para a saúde deles, para sair da rotina", ressalta. 
Enquanto uns times jogavam no campo de areia improvisado, outros esperavam a hora de atuar. Debaixo de um sol forte, os apenados ficavam à beira do campo para acompanhar as partidas. Apesar da rivalidade no campo, o pensamento dos presos caminhavam em uma direção: o esporte ajuda a ocupar a mente. "É um bom incentivo pra gente. Tira os pensamentos malignos que a gente têm se ficar só na cela", diz o preso Wellington Duarte. Opinião compartilhada por outro detento: "Dá para espairecer um pouco a mente. Se acontecesse com mais frequência, seria melhor", fala Douglas Victor dos Santos, de 26 anos, preso por tráfico de drogas. 

Presos descobrem que há vida além das grades

No Chile o Campeonato Nacional de Presídios deste ano rendeu a um detento a carreira de profissional: o russo Maxim Molokoedov, de 25 anos, ganhou a chance de atuar no Santiago Morning, da 2ª divisão do país. Ele, que começou a carreira nas categorias de base do Zenit, clube do seu país de origem, foi preso em 2010 quando tentava viajar do Chile para a Rússia com seis quilos de cocaína escondidos em livros infantis. Condenado, passou a atuar no Presídio de Santiago e chamou a atenção até do então treinador da Seleção Chilena de futebol, Claudio Borghi, que visitou o presídio para vê-lo atuar.
Emanuel AmaralO cara fica no pavilhão trancado, aí só vem pensamento ruim. É uma motivação diferente - Edvaldo França - detento
O cara fica no pavilhão trancado, aí só vem pensamento ruim. É uma motivação diferente - Edvaldo França - detento

O apenado Carlos Alberto Costa, de 38 anos, preso por assaltar um lotérica no bairro de Morro Branco, zona Sul de Natal, jogou por um dos dois times que vestiam a camisa do São Paulo na competição. "Se não tivesse esse torneio, a gente passaria o dia deitado, dentro da cela", diz. Pela idade, ele também já não imagina ser jogador e diz que vai buscar uma vida melhor quando deixar a cadeia, mas não garante que não voltará a praticar novos delitos. "Eu vou procurar fazer a coisa certa, mas ninguém pode garantir nada. Só quem vai dizer é o destino". 

Apesar disso, após cinco anos desde sua detenção, Carlos Alberto garante que não quer mais voltar para Alcaçuz. Para ele, é um lugar de "muito sofrimento" e "muita covardia". Na prisão, Carlos Alberto passou por outra grande frustração: perdeu a mãe há cerca de quatro meses e não pode vê-la antes de ser enterrada. "Entrei nesse mundo por causa da minha situação financeira. Tinha que dar o melhor para o meu filho, para a minha família", justifica. 

O presídio de Alcaçuz é considerado de segurança máxima, apesar das constantes fugas. O local foi construído para substituir o antigo presídio que existia na Zona Norte da capital potiguar.

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