O algodão: do auge à derrocada

Uma fibra da qual nada se perde. Quando beneficiada se transforma em linha, roupa, lençol. E, do caroço, se extrai alimento para o gado e óleo para a confecção de sabão em pedra e até de combustível. Assim é o algodão. 

O “ouro branco” que, entre as décadas de 60 e 80 teve picos de produção no Rio Grande do Norte e alavancou a economia do estado no cenário nacional, chegou a  responder por 40% da arrecadação de ICMS no RN nos anos 70. Enricou produtores,  proporcionou a ascensão de pequenas comunidades a municípios prósperos, movimentou rodovias com o vai e vem de caminhões, implementou 600 quilômetros de trilhos de Natal a Macau e de Macau a Nova Cruz. Empregou milhares de potiguares. 

Hoje, porém, o cenário das vastas plantações que chegaram a ocupar 500 mil hectares em todo o estado, em nada lembra os algodoeiros que mais pareciam nuvens em pleno solo, dada a vastidão nas plantações. 
Júnior SantosUsina Algodoeira Potengy, em São Tomé: máquinas que beneficiaram safra recorde nos anos 80 estão paradasUsina Algodoeira Potengy, em São Tomé: máquinas que beneficiaram safra recorde nos anos 80 estão paradas

Durante dois dias, a TRIBUNA DO NORTE visitou pólos produtores e beneficiadores da fibra no Rio Grande do Norte. Foram quase 700 quilômetros percorridos entre Afonso Bezerra, Pedro Avelino, Angicos, São Tomé e João Câmara. Em comum, os municípios visitados guardam a lembrança de um passado glorioso, hoje empoeirado e quase esquecido diante dos prejuízos herdados pela devastação das plantações causada pela “praga do bicudo”.

Com a perda dos campos produtores para o besouro, os produtores se viram diante de uma situação irreversível. Sem subsídios governamentais e duelando com a concorrência externa, cuja produção em larga escala dispõe de ajuda dos governantes e juros baixos, coube aos plantadores e empresários instalados em solo potiguar fecharem suas usinas. Hoje, o maquinário enferrujado e esquecido nos galpões construídos na segunda metade do século passado enterra aquela que um dia foi a principal base da economia norte-riograndense.





O presente inglório do ouro

Ricardo Araújo - repórter

Os campos que um dia reluziram o ouro branco no Rio Grande do Norte, hoje não passam de terras secas e abandonadas, nas quais jaz uma história de apogeu e declínio. O algodão, que no auge da produção entre as décadas de 1960 e 1970, chegou a contribuir com 40% da arrecadação do ICMS no estado, hoje amarga o esquecimento e a impossibilidade de retomada da produção. Dos 500 mil hectares plantados em diversas regiões do estado potiguar entre o final do século 19 e meados da década de 1980, atualmente as plantações estão resumidas a 435 hectares, cuja representação na produção estimada para 2013 é de 392 toneladas. Em 1960, o estado bateu recorde na colheita, com 96,3 mil toneladas da fibra.

“O ciclo do algodão no Rio Grande do Norte acabou, ficou no passado. O ouro branco não irá reluzir novamente”, assegura o chefe do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE/RN), Aldemir Freire. O apogeu da produção algodoeira no estado se confunde com a própria história de desenvolvimento econômico potiguar. O ciclo da cotonicultura trouxe consigo a expansão das linhas férreas, cujos trilhos cortavam 605 quilômetros de Natal a Macau, no sentido Norte, e da capital a Nova Cruz, no sentido Sul. Além de passageiros e mercadorias diversas, os trens escoavam a produção das usinas algodoeiras. Os reflexos da derrocada da produção, são visíveis nos municípios nos quais existiam estações de trem. Em ruínas, elas refletem a decadência de uma era próspera.

Não fosse a “praga do bicudo”, besouro de origem africana que dizimou plantações em todo o estado no início dos anos 80, a produção poderia ter se recuperado. Entretanto, a falta de subsídio governamental e os altos juros cobrados pelos tipos de algodão produzidos no Rio Grande do Norte, fizeram com que grandes grupos empresariais como o Giorgi, o Nóbrega e Dantas e as usinas de Chico Sousa, no Mato Grande, falissem, impossibilitadas de concorrer com o algodão sintético produzido pelo mercado concorrente, principalmente o americano e o chinês. O que se vê hoje em dia nas cidades que sediaram usinas de beneficiamento da fibra, é o retrato de um presente inglório, no qual somente os marimbondos habitam o que um dia foi uma  fábrica próspera, cheia de empregados e perspectivas de desenvolvimento econômico. 

 “O algodão era a fonte de renda e sustentação monetária do interior do estado. Hoje, essas cidades se mantém com os repasses do Fundo de Participação dos Municípios, pela União, além das aposentadorias e funcionalismo público”, avalia Aldemir Freire. Conforme dados analisados pelo chefe do IBGE, metade do Produto Interno Bruto (PIB) do Rio Grande do Norte no século passado advinha da produção agropecuária. E, nesta área, a cotonicultura contribuía com quase 50% dos lucros obtidos. 

 Do passado glorioso, no qual as cooperativas e usinas de algodão potiguares eram destaque no cenário econômico nacional, restaram apenas máquinas antigas e valiosas às sucatas. No vazio silencioso das usinas, morcegos, marimbondos e abelhas, fazem seus ninhos.

Personagens no tempo

Gilma Cruz Pinheiro
trabalhou no Setor Fiscal e Deptº Pessoal na Algodoeira Mascote, em Pedro Avelino

“Lembro que em 1989 o Grupo Giorgi comprou 12 milhões de quilos de algodão. Era tanto algodão que nem dava para beneficiar tudo na Algodoeira Mascote. O pátio ficava cheio e os galpões preenchidos até o teto. Nós tínhamos 150 funcionários que trabalharam em regime de escala. Todo mundo aqui vivia bem financeiramente, a cidade vivia cheia de carretas e caminhões para carregar os fardos e entregar nas outras cidades. Era uma coisa linda. Mas aí veio a praga do bicudo e foi destruindo tudo. Quase ninguém mora mais nas fazendas que produziam algodão. Muitas estão em ruínas. Todo o maquinário da Mascote foi vendido para algodoeiras menores a preços abaixo do mercado.  Eu sinto saudades do passado. Hoje, quem habita os galpões são os marimbondos. É um pedaço das nossas vidas que está em ruínas”.

Epitácio da Silva Vilar, 86 anos
foi funcionário da Nóbrega e Dantas Algodoeira por 30 anos, em Acari e João Câmara.

“Acho que sou o último funcionário da usina vivo. Fui funcionário do grupo Nóbrega e Dantas Comércio e Indústria até 1989. Trabalhei na usina durante 30 anos. Comecei como auxiliar de armazém, em Acari, no dia 25 de outubro de 1958. De Acari vim para João Câmara. Aqui, nossa maior produção foi de  20 milhões de quilos de algodão. Era muita gente trabalhando, de manhã, de tarde e de noite, sem parar. A usina era um galpão enorme e a gente dividia a produção, retirava o caroço do algodão, fazia óleo. Tudo do algodão se aproveita, tudo. É uma riqueza  grande. Quando a Nóbrega e Dantas Algodoeira chegou em João Câmara, a cidade cresceu. Mas veio a praga do bicudo e mudou tudo. Os funcionários foram demitidos e hoje o prédio está abandonado. As terras que produziam algodão estão entregues ao acaso”.

Francisco de Assis Rodrigues, 54 anos
foi classificador de algodão na Usina São Miguel, em Angicos. 

“Sou nascido e criado dentro da fazenda São Miguel. Cresci vendo os agrônomos ingleses desenvolvendo novas linhas de produção, testando mudas em laboratório. Nós tínhamos cinco mil hectares só para pesquisa. Aprendi a classificar o algodão e os meus filhos cresceram na fazenda. Plantávamos o algodão fibra longa, específico para a produção de linha resistente, forte. Tudo o que era produzido era encaminhado para a antiga Linhas Corrente, hoje Coats, em Natal. Por safra, o grupo chegava a comprar 10 milhões de quilos de algodão para beneficiamento. Tudo era aproveitado. A fibra era separada do caroço, que era sugado e levado por dutos para a fábrica de óleo. Lá, era produzido, além do óleo, torta de algodão que é usada na alimentação do gado. Mas, veio o bicudo e destruiu tudo. A algodoeira fechou. Parte das máquinas foi vendida para o Centro-Oeste. Uma tristeza”.
da TN

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