Dois mundos de um mesmo endereço


Magnus Nascimento...e a calmaria dos domingos e dias feriados. E diz que esses extremos já fazem parte de sua rotina
...e a calmaria dos domingos e dias feriados. E diz que esses extremos já fazem parte de sua rotina
O desenvolvimento do comércio e da oferta de prestação de serviços, ao longo das últimas décadas, foram mais acentuados em algumas regiões de Natal. É fácil perceber a diferença na forma como se deu a ocupação  do território urbano se compararmos, por exemplo, os bairros do Alecrim com Capim Macio. Em algumas avenidas do primeiro, já não existem mais casas, ao passo que, no segundo, há o predomínio de residências. Mas algumas famílias resistem ao ritmo do crescimento econômico dos centros urbanos e, por opção, permanecem morando em meio a comércios e ao trânsito caótico. Para estudiosos, a persistência é correta e deveria servir de exemplo para elaboração de planos futuros para reocupação urbana.
Magnus NascimentoJoão Maria mora em uma das mais movimentadas ruas do bairro Alecrim e convive com o tumulto...
João Maria mora em uma das mais movimentadas ruas do bairro Alecrim e convive com o tumulto...


O reservista da Marinha, José Francisco de Oliveira, 83 anos, lembra-se com precisão o dia que chegou à casa número 514 localizada na rua Presidente José Bento, Alecrim. Era primeiro de maio de 1974. São 38 anos morando no mesmo endereço. Durante esse período, Francisco foi testemunho de muitas mudanças. "Aqui era só areia, postes de madeira no meio da rua e as casas eram de tapera", relembra. 



A areia deu lugar ao asfalto, os postes de madeira sumiram. No lugar, o concreto. No Alecrim de hoje, nenhuma lembrança de casas de tapera. A rua onde o aposentado mora é conhecida pela quantidade de lojas especializadas no comércio de equipamentos de som. Aliás, o aposentado frisa que o que poderia ser um incômodo para pessoas com a idade dele, o barulho, na verdade não o chateia. "Todo mundo precisa trabalhar, meu filho. Esse barulho não me incomoda. Quando dá seis horas da noite para tudo e fica um sossego. Não me aborreço com isso", afirma. A única reclamação é a falta de vizinhos com quem ele gostaria de conversar. "Infelizmente, todos foram embora".



Os vizinhos foram para outros bairros. Proprietários de residências cederam às ofertas do mercado e venderam seus imóveis. A arquiteta, urbanista e membro do Centro de Apoio Operacional (CAOP) Meio Ambiente, do Ministério Público do Rio Grande do Norte, Rosa Maria Pinheiro, explica que a concentração de comércio em determinados bairros da cidade - e o Alecrim ganha destaque na lista que inclui, entre outros, o Centro, Cidade Alta e Lagoa Nova - é fruto de um passado onde predominava o chamado "planejamento modernista". A ideia era planejar a cidade com cada função em locais específicos. "As cidades eram compactas, mas com a eletricidade e o transporte houve a expansão. O planejamento modernista começou na Europa e trazia a característica funcionalista da cidade, ou seja, a cidade deve ser planejada com cada função em locais específicos: função de comércio e serviços, industrial, habitacional, áreas de lazer e circulação. Que são os básicos de uma cidade", coloca.



No Brasil, o modelo começou a ser implantado por volta de 1974. No últimos anos, recebeu críticas e hoje é considerado inadequado. "Embora seja racional, não é sustentável. Você tem que colocar toda uma infraestrutura na área de comércio, que funciona durante o dia, e na hora que termina o expediente, fica vazio", explica Rosa. O correto, diz a arquiteta, é tentar unificar espaços de moradia e funcionais. "Nesse sentido, os moradores que permanecem em bairros comerciais estão certos. Eles têm facilidades com transporte, por exemplo, e, perto deles, existe uma estrutura de serviços que estão longe de outros bairros".
As facilidades fizeram com que o contador João Maria Maia, 49 anos, resolvesse, depois de quatro anos morando em outro bairro, retornar para o Alecrim. O endereço escolhido foi uma das avenidas de maior movimentação do local: Coronel Estevam, popularmente conhecida como "avenida 9". "Morei em outro bairro, mas resolvi voltar. Moro no mesmo prédio onde tenho meu escritório. É muito cômodo. Resolvo tudo por aqui mesmo. Banco, supermercado, farmácia, tem tudo no Alecrim", ressalta.



Diferente de Seu Francisco de Oliveira, João Maria reclama apenas do barulho gerado pelo trânsito e comércio na avenida.Descanso mesmo, sem a perturbação que chega da rua, somente nos finais de semana ou feriados, como o da última quarta-feira. "O único problema é o barulho, mas não chegar a incomodar tanto. As qualidades superam os problemas", explica João. "O que me segura aqui, de fato, é poder encontrar tudo que quero. É como dizem na internet, se você não encontrar no Google, procure no Alecrim".



Família preserva casarão da Rio Branco 



O casarão número 866, localizada no lado esquerdo da avenida Rio Branco, é um exemplo da conservação do passado e resistência às investidas das construtoras. A construção é de 1952 e abriga, até hoje, familiares do empresário já falecido, João Francisco da Motta, avó do deputado estadual Ricardo Motta. A dona de casa Suzana Motta Gadelha é a responsável pela casa que possui, entre outros cômodos, seis salas e sete quartos. Os móveis e objetos de decoração saltam aos olhos do visitante: são dois pianos e lustres provenientes da Tchecoslováquia. Há ainda, dois porões que foram construídos para abrigar os 13 filhos durante um possível ataque durante a Guerra Mundial.

Rosa Pinheiro defende a atração de moradores para as áreasJúnior Santos
Rosa Pinheiro defende a atração de moradores para as áreas


De acordo com Suzana, a casa está avaliada em pouco mais de R$ 1,7 milhão. Atualmente, oito pessoas dividem o espaço. Ela conta que não pensa em mudar-se para outro bairro e relata como é o cotidiano numa das avenidas mais movimentadas da cidade. "Durante a semana é bom, bem movimentado. Mas tem problema de abandono do bairro. Tem assalto. Nos finais de semana fica tudo parado", conta.



Áreas comerciais ganharão os primeiros prédios



Na década de 1970 contavam-se nos dedos os apartamentos utilizados como moradia em Natal. Um prédio aqui, outro acolá, outro mais adiante e todos concentrados na área central da cidade - Centro, Petrópolis, Tirol, Barro Vermelho. Eram tempos de grandes projetos de construção de casas financiadas com recursos do Banco Nacional da Habitação, que resultaram em conjuntos como Ponta Negra, Mirassol, Candelária, Neópolis. Logo depois veio o maior deles: Cidade Satélite, na zona Sul da cidade, no limite com o município de Parnamirim, e os conjuntos da zona Norte, aproveitando amplos terrenos existentes naquela região.



Natal continuou assim até o final da década de 1980, quando o processo de verticalização começou a se acelerar. De acordo com informações do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), Lagoa Nova era o bairro com maior número de domicílios residenciais do tipo apartamento em 2000, quando foi realizado o censo demográfico daquele ano, superando Capim Macio, que tinha 2.677.



Entre 2000 e 2010, o número de apartamentos construídos em Natal e Parnamirim dobrou de 17.911 para 35.077. Mas este número pode ser maior porque o IBGE não registra, em seus levantamentos, o número de imóveis em construção. Recentemente, as construtoras voltaram os olhos para um dos bairros mais antigos da cidade: Ribeira. É fácil constatar um processo de reocupação da área. Basta olhar para o alto. A quantidade de prédios começa chamar atenção.



Engana-se quem pensa que essa recente ocupação é vista com mal olhos pelos urbanistas. Pelo contrário. Para Rosa Maria, a movimentação do mercado imobiliário é benéfica. "Existe uma estrutura pública na Ribeira que foi colocada lá através do pagamento de nossos impostos. Hoje, existe a preocupação de atrair residências para lá. De certa forma, isso já ocorre e é uma coisa benéfica", coloca.



Os moradores mais antigos do bairro concordam com a urbanista. No entanto, alguns reclamam que, além de residências, é necessário que o comércio ocupe a região. "Não temos uma padaria ou supermercado bom, por exemplo. Poderiam investir por aqui, já que novos prédios estão em construção", diz a auxiliar administrativa Suzana Aguiar.
Fonte: TN Online

Nenhum comentário:

Postar um comentário