Deveria ser visto como investimento e não gasto, diz ex-bolsista do Ciência sem Fronteiras

Frustrar o sonho de milhares de jovens que pretendiam fazer intercâmbio no exterior para aprofundar os conhecimentos em suas áreas de formação. Esse foi o resultado da medida tomada pelo governo ilegítimo de Michel Temer e anunciada nesta semana: o fim do programa Ciência sem Fronteiras (CsF) para os alunos de graduação.

Criado pelo governo Dilma Rousseff, em dezembro de 2011, o CsF previa a concessão de 101 mil bolsas de estudo no exterior. O objetivo do programa é promover a consolidação, expansão e internacionalização da ciência e tecnologia, da inovação e da competitividade brasileira por meio do intercâmbio e da mobilidade internacional.

Além disso, busca atrair pesquisadores do exterior que queiram se fixar no Brasil ou estabelecer parcerias com os pesquisadores brasileiros nas áreas prioritárias definidas no programa, bem como criar oportunidade para que pesquisadores de empresas recebam treinamento especializado no exterior.
Boston - EUA, 10/04/2012. Presidenta Dilma Rousseff durante visita à Universidade de Harvard. Foto: Roberto Stuckert Filho/PR
Um dos alunos contemplados pelo programa no RN foi Guilherme Rosso, bacharel em Ciências e Tecnologia (UFRN) e mestre em Modelagem de Sistemas Complexos (USP). Ele foi bolsista de graduação sanduíche pelo primeiro edital do CsF e estudou de janeiro a dezembro de 2012 nos Estados Unidos.

Após essa experiência, Guilherme, juntamente com outros 3 ex-bolsistas do programa, criaram a Rede CsF, um ambiente de integração para conectar e engajar participantes do Ciência sem Fronteiras, parceiros e as comunidades locais para desenvolver Ciência, Tecnologia, Inovação e Educação (CTI&E) como retorno do investimento ao país.

Para Guilherme Rosso, as bolsas de graduação ainda deveriam ser contempladas pelo programa e não apenas as de pós-graduação, como foi definido pelo MEC. “Claro que é importante entender a situação econômica do país, mas Ciência, Tecnologia e Inovação (CT&I) deve ser visto como um setor de investimento e não de gasto”, defendeu.

Em 2015, ele participou dos trabalhos da Comissão de Ciência, Tecnologia, Inovação, Comunicação e Informática (CCT) do Senado Federal, que naquele pleito avaliou a política de “Formação de Recursos Humanos para Ciência, Tecnologia e Inovação, com especial enfoque no programa Ciência sem Fronteiras”.

Como resultado, foi elaborado relatório que contempla 17 recomendações para os gestores das agências de fomento, incluindo a continuidade do Ciência sem Fronteiras como recomendação número um e a formulação do Projeto de Lei do Senado nº 798, de 2015, que tramita no Congresso Nacional e visa instituir o programa Ciência sem Fronteiras como política de Estado, e não apenas de governo.
“Eu, particularmente, concordo com a avaliação do Senado Federal ao entender que o Ciência sem Fronteiras ‘foi capaz de aumentar a visibilidade internacional da educação superior brasileira (…) [e] lançou bases mais firmes para a inserção das universidades e outras instituições brasileiras em programas de cooperação internacional no campo da pesquisa’. E os alunos de graduação tiveram participação importante nisso”, afirmou.

Apesar de ver algumas falhas, Guilherme acredita que o CsF é positivo e proveitoso para os alunos e para o Brasil. “O que precisamos é aperfeiçoar o programa, e já há subsídios para isso, e ter paciência para esperar os resultados de médio e longo prazo. Os políticos e a sociedade precisam acreditar mais nos estudantes e pesquisadores”.

Veja [+] O que ciência, tecnologia e inovação tem a ver com impacto social?

Experiência no exterior

Guilherme Rosso estudou em Massachusetts (Estados Unidos) em 2012 como bolsista de graduação sanduíche pelo Ciência sem Fronteiras. Ele trouxe muitas experiências positivas desse período e que repercutem até hoje. “Após mais de 4 anos já de volta ao Brasil ainda tenho vínculos e mobilização com os egressos do programa devido à Rede CsF. O meu mestrado na USP, recém defendido, foi justamente para prover subsídios para a avaliação do programa Ciência sem Fronteiras”.

Nos EUA, ele foi para o departamento de Física da Clark University, uma universidade com apenas 2.500 alunos de graduação. “Eu estava geograficamente muito próximo de universidades como MIT, Harvard University, Boston University, Brown University, Yale University, Dartmouth College, Boston College, e várias empresas. O acesso a esses lugares era muito fácil e a experiência de poder interagir diretamente com todas essas universidades é fantástico”.

De acordo com Guilherme, 20% do campus da Clark University eram de alunos internacionais, o que proporcionou sua interação com estudantes de mais de 90 países diferentes. “O meu estágio durante os 3 meses de férias de verão foi no Laboratório de Física Não-linear e Matérias Complexas. Dos 8 membros do laboratório, desde alunos de graduação até pós-doutorandos, haviam 6 nacionalidades (3 indianos – incluindo o meu orientador, 1 francês, 1 romena, 1 brasileiro, 1 iraquiano e apenas 1 americano)”.

Outro ponto positivo dessa experiência para Guilherme foi ter se integrado ao grupo de Pesquisadores e Universitários Brasileiros em Boston (PUBBoston), criado por acadêmicos e intelectuais brasileiros nas melhores universidades dos EUA (especialmente MIT e Harvard). “Nos encontrávamos uma vez por mês para ouvir apresentações de 2 a 3 cientistas por encontro e fazer networking. Até hoje colho frutos dessas conexões e, diga-se de passagem, os 4 fundadores da Rede CsF passaram pelo PUBBoston”.

A Rede CsF

O grupo funciona há 3 anos e se configura como a principal organização de participantes e ex-participantes do Ciência sem Fronteiras. Inicialmente a Rede CsF surgiu como um projeto de “give back”, ou seja, com a perspectiva de dar um retorno social a todo o investimento que os alunos receberam.

“Começamos reunindo os ex-bolsistas nas universidades, que passaram a criar Núcleos locais da Rede CsF (Natal, Viçosa, Pelotas, Manaus, Guarulhos, Leopoldina, etc.)”, explicou Guilherme Rosso, co-fundador da Rede CsF. “Ao longo do tempo, os ex-bolsistas foram se formando e, visando a sustentabilidade dos Núcleos nas universidades, os projetos começaram a agregar outros alunos (independente de intercâmbio), desde que estivessem alinhados com o propósito de trabalhar em Ciência, Tecnologia, Inovação (CT&I) e Educação”.

Guilherme explicou que, atualmente, a Rede CsF passa por um momento de transição. O grupo está redirecionando os esforços para trabalhar em dois focos: Núcleos de CTI&E formados por jovens universitários de quaisquer áreas com quaisquer experiências e a Rede CsF como organização alumni do Ciência sem Fronteiras.

“A semente foi, de fato, o projeto de give back social iniciado pelos ex-bolsistas. Mas, hoje, os Núcleos se tornaram em algo muito maior e seguirão como um projeto de articulação nacional, ainda alinhado com os propósitos da Rede CsF, porém de forma independente”, disse. Sobre o segundo foco da transição, Guilherme explicou que a proposta é “acompanhar a carreira e projetos dos ex-bolsistas (e integrá-los)”.

Confira [+] Índice de Universidades Empreendedoras do Brasil (Material produzido pela Rede CsF em conjunto com a Aiesec, Brasa, Brasil Junior e Enactus)

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