Em seminário, juristas debatem as táticas do Estado de exceção

Seminário “Estado de Direito ou Estado de Exceção” contou com a presença do ex-ministro da Justiça, Eugênio Aragão, de professores e juristas
O mundo vive tempos ruins para a democracia. A crise institucional e a regressão no Estado de direito que inquietam o Brasil não são fenômenos isolado e como tal devem ser compreendidas, quando se busca uma solução, alerta a professora de Direito Maria José Fariñas Dulce, da Universidade Carlos III de Madri (Espanha). “Esse é o resultado do assalto neoliberal às instituições democráticas que vivenciamos também em outros países da América Latina e da Europa, por exemplo, afirma ela.

“Os grandes desafios da democracia, hoje, são a superação das desigualdades e o combate à corrupção”, apontou Fariñas. O risco, porém, é permitir que instrumentos de exceção sejam utilizados a pretexto de combater a corrupção, como no Brasil, ou “inimigos externos”, como em outros países.

Ou pior: quando o sistema de Justiça decide quem pode ou não governar. “Quando o Poder judiciário faz política, ataca a essência da democracia, que é a soberania popular, já que ele não tem a legitimação do Parlamento eleito, por exemplo, para representar essa soberania”, asseverou a professora.

Seminário em Brasília

Fariñas Dulce participou, na manhã desta segunda-feira (29) da primeira mesa de debates do seminário “Estado de Direito ou Estado de Exceção”, promovido pelas bancadas do PT no Senado e na Câmara, pela Fundação Perdeu Abramo e pela Frente Brasil de Juristas pela Democracia para debater as ameaças ao Estado democrático contidas na distorção do Sistema Judicial e a criminalização da política.

A professora espanhola e os também professores de Direito Pedro Serrano (PUC-SP) e Antonio Pedro Melchior (UFRJ) abordaram o tema “O sistema de Justiça no Brasil e sua atuação na democracia: táticas do Estado de exceção?”. O evento está sendo realizado no Memorial Darcy Ribeiro (Beijódromo) da Universidade de Brasília e prossegue agora à tarde com o ex-ministro da Justiça, Eugênio Aragão e os professores Jessé de Souza (UFF) e Marcelo Neves (UnB) , que analisam os “Caminhos da democracia: os parâmetros normativos do poder coativo”.

Tentação antiga

Pedro Serrano chamou ressaltou que a tentação de suspender direitos não é um fator recente. Desde a constituição do Estado moderno, quando se passa a reconhecer a todos os indivíduos como cidadãos e titulares de direitos, é forte a pregação autoritária que reconhece essa universalidade de direitos apenas como uma expressão da “vida normal”, que pode ser suspensa diante de ameaças ao Estado e à sociedade. São as exceções que deram origem ao termo.

Não é à toa que o fascismo e o nazismo ascenderam ao poder usando as formas e autoridades da democracia, construindo exceções contra comunistas, judeus e outros dissonantes para, a partir daí, cristalizar essas exceções.

Enquanto em outros países esses atos de exceção passam pelo Legislativo, como as legislações de combate ao terrorismo que surgiram nos EUA e Europa, na América é o Judiciário que tem se caracterizado por “contornar” os direitos dos “inimigos”, compreendidos aqui como os elementos que “destoam” e ameaçam a reconfortante sensação de sociedade homogênea, do povo como algo unitário, explica Serrano. O Sistema de Justiça, como outrora foram os militares, é visto como uma espécie de “povo purificado das divisões que resultam da política”.
Ruptura

“A democracia necessita da participação de todos, mas ela nasceu como um espaço das elites, uma estrutura que não integrava o conjunto da sociedade, uma espécie de luxo politizado para poucos, lembra Maria José Fariñas Dulce. A “democratização da democracia”, o movimento para torna-la acessível e inclusiva para os coletivos até então marginalizados — mulheres, minorias raciais e culturais, os não-proprietários — é um movimento constituído no âmbito da sociedade industrial do Século 20.

As profundas transformações vividas no século passado, porém, trouxeram a ruptura desse pacto entre capital e trabalho e os direitos assegurados estão em xeque. Na nova realidade, sob a égide da revolução tecnológica da informática, o Século 21 começa como um tempo de retrocessos, perda de direitos, desdemocratização. “É por isso que estamos aqui, novamente, falando de democracia e direitos”, reassaltou Fariñas.

Fariñas alerta que uma das principais características do assalto neoliberal ao Estado é exatamente a promoção do desequilíbrio entre os Poderes. “E isso fere de morte a democracia, pois um de seus pressupostos esseciais é exatamente a harmonia entre os Poderes”.

Nenhum comentário:

Postar um comentário